É neste contexto que surge o ensejo de me manifestar, publicamente, a este respeito, e mais ainda quando, imerso nas leituras a que me referi, entre outras, aprendi que “foi pelo ISCSP [1] que Agostinho andou, ainda em pleno "ancien régime" quando fez o seu primeiro regresso à pátria” [2].
2. Os sentimentos, sobretudo os mais genuínos, não podem ser sujeitos de previsões, e por isso não se planificam. Muito menos ainda a sua manifestação, sob pena de os tornarmos uma potencial hipocrisia. Portanto, deixo aqui expressa, nesta pequena nota, a minha pública ansiedade pelo eventual desfecho que a minha participação neste memorial venha a promover, quer seja pela adesão a programas comemorativos, quer pelo que, ao nível da instituição onde exerço a minha actividade, vier a ser possível disponibilizar. Mas o impulso não traz, só por isso, menos valia pelo facto de não estar previsto em qualquer plano de actividades. Muito menos pelas circunstâncias que envolveram este meu impulso.
E porque se trata de uma identidade de sentimentos, nunca poderei deixar de me juntar àqueles que evocam esta personalidade. Porque em Agostinho da Silva há portugalidade imensa, por referência a uma pátria que se avalia em activos, mas também em passivos, que assim herdamos sem preferências, nunca será demais relembrarmos esta data: “Agostinho, nascido em 1906, no Porto, terá morrido em Lisboa em 1994, a três de Abril, dia da Ressurreição. Por isso ressuscita sempre que, por dentro das suas palavras, ousamos renascer, ao integrá-las no movimento da vida, numa corrente de pensamento que nos faz estar antes e depois da nossa própria vida. E desta escola da Junqueira que o acolheu depois do exílio, ouso proclamar-me seu discípulo. Não apenas da pessoa, mas da tal corrente antiquíssima, intemporal, eterna, a que ambos aderimos, que ambos ousamos servir, porque é antes e depois de nós.” [3]
3. De entre as muitas coisas que podem ficar escritas a respeito de Agostinho, tentando fazer a sua memória, eu não posso ficar indiferente às das suas Reflexões [4], também citadas no ‘sítio’ a que me tenho referido, que aqui apenas deixo em texto:
"A fonte do poder não é, para portugueses, nem delegação de transcendências, nem figuração de imanências, nem contrato ou consenso; a fonte do poder é a unidade essencial do homem, da paisagem e do sonho que numa e noutro anda; o poder emana das aldeias no curtido das faces, na aspereza das rochas, no fumo das lareiras, no mugido dos gados, no escampado horizonte, na imobilidade e no gesto, no silêncio e na palavra; o primeiro elemento é o do homem e o seu chão e o seu cão; depois se forma a aldeia, ainda pequena e desvalida para ser política; mas com o município a primeira república se forma e sobre ela tudo o resto se tem de modelar; a Federação começa aqui ;com a junção das economias aldeãs; a catedral começa aqui; com esta pedra de muro ou este ladrilho de piso; conhece a nau seus primeiros redemoinhos nas águas bravas do cabril; e é o primeiro Reino o deste Rei, com o seu chão e o seu cão; repeti-lo não sobra".
E, para terminar esta nota evocativa, num modus muito cogitandum, subscrevo inteiramente a seguinte definição: “(…) Agostinho da Silva nunca pretendeu converter ninguém, nem, muito menos, fazer discípulos; só quis contribuir para que cada um encontrasse e seguisse o caminho próprio para a santificação da sua vida. Faço, portanto, votos para que, na veneração da sua memória, isso nunca seja esquecido.” [5]
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[2] JA Maltez, http://www.tempoquepassa.blogspot.com/ (Fev. de 2006).
[3] JA Maltez, Idem.
[4] Agostinho da Silva, Reflexões, Aforismos e Paradoxos, Thesaurus, Brasília, 1999.
[5] Abranches de Soveral, Eduardo, Prof. Doutor, “Agostinho da Silva: Um Homem de Deus”, História do Pensamento Filosófico Português, direcção de Pedro Calafate, ed. Círculo de Leitores, vol. V – Século XX, Tomo 1, 2003, pág. 279.