sábado, janeiro 19, 2008

Um episódico regresso às origens

Do moçárabe, do nacional e do universal - reencontro com as origens.

Na noite fresca, a limpidez do ar e o aconchego das luzes suaves que do monte da Penha nos aproximam, a quem chega, das memórias de tempos de infância, afagam-nos a alma e o humor, aquecem-nos logo na fogueira da vida ...!

Sofro num sorvo de ar
este suspiro, desabafo
por me olhares, mãe
horizonte de consolação
paisagem de céu matinal
onde o Sol, em mim
resplandece, sereno

Mas o reencontro de hoje não revê, nas mesmas ruas, as gentes que as fizeram e lhes deram côr, nesse tempo onde a memória só chega pelo sentimento que ainda permanece e não esqueceu a matriarca terra que lhes deu vida - tudo parece de outro qualquer lugar, num tempo que, por isso, não é de ninguém. Resta, apenas, a imagem daquilo que, só por si, apenas se abre para os que a conheceram com outra vida, com outro tempo, com outra vontade de viver.

Vem então, memória agreste
ver quem sempre te levou
tão longe contigo foi
guardada no coração
tantas vezes esquecida!

As ruas, as casas, o céu, tudo o que permanece, aos olhos visível de quem passa, nada diz do que já foi: a origem citadina de um Portugal que, dali, se espraiou ao Mundo e concebeu o abraço armilar que, por toda a Terra, muitos evocam como a maior manifestação da nossa identidade perante o Mundo.

Volta aqui, sarraceno
com verdades de agora
mostra que cá sentes
o Mundo que já foste
por aqui nascido e levado!


De facto, foi também daqui que nasceu essa genética propensão para a 'meltização' étnico-cultural. E, por isso, nada mais pertinente para este dia, neste local, neste de memórias necessárias, que esta quase anárquica manifestação musical, assim vivida, em versão 'soft', através de um estilo 'world music' muito free, mas não inteiramente improvisado, à maneira do jazz muito em voga na sua era moderna ...

Outras gentes, lá do Reno
trazes contigo também
alegria, música e cena
Andaluz deste aquém
P'ra nós já foi além!

(JRC, Memórias de Nós 1)

Como Rabih Abou murmurou, no final do 1º número aqui apresentado, esta formação é um sinal de que a miscigenação cultural sempre existiu ("não se admirem de ver um árabe e um americano juntos ...?"), sempre foi positiva para a Humanidade, e a prova é a riqueza do género desta expressão musical, agora apresentada por um trio que, apesar de brilhante, não tem a profundidade que formações anteriores deste libanês patentearam.


Por isso, prefiro este exemplo, àquele que ouvi em Guimarães:




"Rabih Abou-khalil

Compositor e mestre do oud, Rabih Abou-khalil é um dos músicos mais prolíficos da world music. Estudou música Árabe e Europeia no Conservatório de Beirute, bem como em Aleppo e Damasco. Em 1978 a guerra civil fez com que trocasse o Líbano pela Alemanha onde vive presentemente. Com uma discografia extensa e mais de 500.000 cd´s vendidos em todo o mundo, Rabih Abou-Khalil é considerado um compositor e instrumentista vanguardista que se encontra entre os artistas de maior sucesso no mercado de jazz europeu. Em 1999 recebeu cinco prémios da German Phono Academy.

Através de um importante trabalho de miscigenação da música islâmica com formas musicais do ocidente, Rabih Abou-Khalil criou uma linguagem musical universal que é apreciada e elogiada por amantes e críticos que vão desde o jazz à música clássica passando também pela world music. As participações de Khalil em festivais de jazz internacionais e nas mais prestigiadas salas de espectáculo do mundo são inúmeras. Compôs peças para quarteto gravadas pelo Kronos Quartet e Balanescu Quartet. Importantes músicos como Charlie Mariano, Steve Swallow, Sonny Fortune, Glen Moore, Miroslav Vitous, Kenny Wheeler tocaram nas suas formações e podem ser ouvidos nos seus discos.

Foto de JRC, autorizada pela organização do evento

Neste concerto, Rabih Abou-Khalil sobe ao palco do Centro Cultural Vila Flor com o pianista Joachim Kühn, nome cimeiro do jazz europeu, e o excelente percussionista americano Jarrod Cagwin. Joachim Kühn marcou o jazz contemporâneo com a sua sensibilidade, imaginação e dinâmica e todas as suas apresentações ao vivo são consideradas únicas. Kühn conseguiu hoje atingir uma maturidade invejável a nível musical e, ao mesmo tempo, encontra-se sempre aberto a novos encontros e linguagens musicais. O percussionista Jarrod Cagwin acompanha Rabih Abou-Khalil, desde 1999, nas apresentações ao vivo. Um trio de luxo que corresponderá às expectativas dos seguidores mais atentos e surpreenderá todos pela naturalidade com que as várias influências estilísticas se cruzam numa linguagem universal capaz de suplantar barreiras." (Biografia e sinopse apresentadas pela Oficina - Centro Cultural Vila Flor
- Guimarães)

Rabih Abou-khalil oud
Joachim Kühn piano
Jarrod Cagwin bateria e percussão