Deparo com mais esta conclusão queirosiana de uma colunista crítica já aqui apresentada, sobre estas novelas de ontem que, muito certamente, não têm amanhã certo:
"Isto não é um país
Luisa Bessa
Foi em 2002 que tudo começou. Santana Lopes, então presidente da Câmara de Lisboa, propunha-se salvar o Parque Mayer, já então em acentuada decadência. Assim nasceu a ideia de um casino em Lisboa, para ajudar a financiar o projecto de recuperação do Parque Mayer. Para encabeçar o projecto, Santana começou por falar em Norman Foster, mas quem depois aterrou em Lisboa foi Frank Gehry, que ainda apresentou uma maqueta.
Como quem não tem dinheiro não tem vícios (ou não devia ter, a acreditar no passivo entretanto acumulado), a Câmara acabou por deixar cair o projecto de Gehry que, naturalmente, facturou pela concepção do projecto qualquer coisa como 2,5 milhões de euros.
Caiu a recuperação do Parque Mayer, pelo caminho a Câmara acordou com a Bragaparques a permuta por uma parcela dos terrenos da Feira Popular, mas, de todo esse desenrolar frenético de grandes projectos, só uma coisa pegou de estaca: um novo casino em Lisboa.
Começou por ser no Parque Mayer mas acabou a circular, no terreno das hipóteses publicadas, pelo Cais do Sodré ou pelo Jardim do Tabaco, entre uma miríade de localizações. Até aterrar no Pavilhão do Futuro da Expo 98.
A decisão de instalar um casino no centro da cidade sempre foi polémica. Mais polémica ainda foi a extensão da concessão da zona de jogo do Estoril à cidade de Lisboa, sem concurso, decisão a que os restantes operadores do sector nunca se resignaram.
De polémica em polémica, o melhor estava guardado para o fim. A entrega do casino à Estoril Sol foi acompanhada de uma alteração à Lei do Jogo. Dois pareceres da Inspecção Geral de Jogos, em sentido contrário num curto espaço de tempo, permitiram à concessionária reclamar a posse do imóvel do casino, contrariando o princípio geral da reversibilidade para o Estado no final da concessão. O ministro do Turismo à época, Telmo Correia, teve dúvidas sobre a interpretação final da Inspecção Geral de Jogos e, não querendo comprometer-se, limitou-se a “tomar conhecimento”, o que foi suficiente para a empresa defender os seus interesses.
Em escutas telefónicas no âmbito do processo Portucale, segundo o “Expresso”, há conversas entre Abel Pinheiro, dirigente do CDS responsável pelas finanças do partido, Mário Assis Ferreira, presidente da Estoril-Sol, e Paulo Portas, onde é pedido que Telmo Correio apenas “tome conhecimento”.
Soube-se, entretanto, que os pedidos da Estoril Sol chegaram directamente ao primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, e que quem pede orienta os termos em que a decisão deve ser tomada, para evitar o relacionamento de uma lei geral com o caso concreto.
De tudo o que foi descrito, há várias coisas irrefutáveis. A Estoril-Sol ganhou a extensão da concessão da zona de jogo para Lisboa, pressionou dois governos (o de Barroso e o de Santana) para garantir a propriedade plena do Pavilhão do Futuro e o Parque Mayer continua a sua morte lenta.
O caso é exemplar da forma como se tomam em Portugal decisões que deveriam ser de interesse público. Mesmo para quem não acredita em bruxas, há coincidências a mais neste encadeamento de factos à volta do Casino de Lisboa.
Quem sai mais prejudicado desta lamentável história são os dois partidos da oposição. Não é com episódios destes que o PSD ganha credibilidade para se bater com Sócrates daqui a um ano. Mas o episódio mina a credibilidade da classe política como um todo, pois poucos ousarão pôr as mãos no fogo pelo actual executivo. Afinal, os podres demoram algum tempo a vir à superfície.
Apetece desabafar, como Eça, que Portugal não é um país, é um sítio mal frequentado."