Ou da virologia social vigente
Vejo nas notícias de agora sinais de preocupação que me deixam preocupado: qualquer destes sinais mediatizados caberiam, nos meios jornalísticos por onde discretamente (ou receosamente) circulam, nas 1ªs páginas respectivas, com mérito, dignidade profissional e toda a pertinência como serviço público prestado.
Como vai a democracia que temos!?
Apenas anoto, hoje, dois destes sinais. Sem qualquer preconceito, vindos de vozes que, pela escrita falada, apenas apontam sinais de revolta: o excerto de uma entrevista a uma senhora ex-deputada da nossa Assembleia da República (de quem nunca gostei do estilo, mas que "põe o dedo na ferida", lá isso põe), de uma área ideológico-partidária historicamente revolucionária; e um artigo de opinião que, em 360º graus de perspectriva crítica, pinta o quadro da "doença virológica" que infectou o que ainda esperávamos da democracia ideal. Por isso, talvez nunca tenha passado de virtual - realidades democráticas sustentáveis parecem quimeras ou, no mínimo, fantasiosas utopias dos que habitam o submundo!
Excerto da entrevista a Odete Santos:
"(...) Qual é o partido mais próximo do stand-up comedy real?
O Bloco de Esquerda.
Porquê?
Não me convencem com aquelas tiradas revolucionários. Representam a burguesia intelectual.
À Direita, Aguiar Branco afirmou estar disponível para derrotar Sócrates. Pode ser ele o salvador da pátria laranja?
O PSD tem um drama inultrapassável, seja por que figura for Sócrates faz ainda mais política de Direita do que faria o PSD."
E o artigo de opinião da secção cultura do J Notícias de hoje:
"O vírus e a democracia
1. A vitória eleitoral de Berlusconi, num país de milenárias raízes culturais, não pode passar despercebida. Vivemos uma realidade globalizada, como sublinhou, nas páginas deste jornal, Paquete de Oliveira, em artigo emotivo e inteligente (qualidades não incompatíveis, completam-se e enriquecem-se). Escreve Paquete de Oliveira "as democracias estão a ser impregnadas de perigosos e ameaçadores "vírus". Antes, sublinhava o divórcio do povo e dos políticos, o crescente desprezo daquele por estes. Referia o caos crescente e decorrente. Assim é. Ao chegar a Itália (Janeiro de 1975), onde me demorei quase 15 anos, fervia uma polémica apaixonante, entre Calvino e Pasolini, que o assassínio do segundo interrompeu. Os dois escritores debatiam a sociedade e a política, cuja prática marcava (e, no fundo, continua a marcar) os italianos. Discutiam-se ideais, moral, o presente e o futuro. Mas tudo involuíu - a sociedade deixou que a comprassem, para a explorarem. O vírus instalou-se.
2. E instalaram-se os anos do consumismo inconsciente. Aliás, tornar os cidadãos inconscientes, anestesiá-los, afastá-los de preocupações "incómodas" - ética, justiça, solidariedade - era a meta da política neo-liberalista, que tomou as rédeas. O resultado foi desastroso corrupção, queda do poder de compra, desemprego. Obviamente: no frenesi do consumo, o cidadão mandara às ortigas a intervenção cívica e assim que a casa começou a abrir brechas, responsabilizou os políticos, esquecendo que ele é que os deixara livres: incontroláveis. Virando-lhes as costas, reforçara-lhes a venalidade. E, mesmo assim, ou por isso, buscou um magnata salvador: Berlusconi (na imagem), ao qual volta, agora. Não todos, claro!, mas a maioria - e uma maioria folgada. A década das vacas gordas - os anos 80 - representou o triunfo da contra-cultura. E um país só é dono de si próprio quando investe na cultura - na inteligência e conhecimento.
3. De manhã à noite, somos objecto e vítimas da publicidade de um trabalho de sapa, continuado e implacável, que nos vai vulgarizando, anulando. Quero dizer: que vai uniformizando e enfraquecendo a nossa personalidade. Nunca é de mais lembrar o cão de Pavlov e a campainha. Hoje, a Itália - e muitos outros países - anseia pelo que lhe deram e roubaram: dinheiro. E o drama é que não entendem os que se queixam o seguinte: para atingir a justa estabilidade económica é indispensável não perder de vista a defesa e exercício dos direitos inerentes à democracia."