quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Cogitando, ... com Agostinho da Silva.

Hoje … Portugal e Agostinho da Silva!


1. Tudo começou pela consulta habitual que faço ao blogue do meu já muitas vezes citado mestre JA Maltez, com os seus “sítios de diálogo” que remetem para um longo mas incansável ‘mergulho’ em inúmeras conversas com interesse, certamente partilhado por aqueles que ousarem por aí navegar, pois “navegar é preciso” …. E assim me encontrei com a evocação do nascimento desta figura ímpar da cultura portuguesa, que é precisamente Agostinho da Silva.

É neste contexto que surge o ensejo de me manifestar, publicamente, a este respeito, e mais ainda quando, imerso nas leituras a que me referi, entre outras, aprendi que “foi pelo ISCSP [1] que Agostinho andou, ainda em pleno "ancien régime" quando fez o seu primeiro regresso à pátria” [2].

2. Os sentimentos, sobretudo os mais genuínos, não podem ser sujeitos de previsões, e por isso não se planificam. Muito menos ainda a sua manifestação, sob pena de os tornarmos uma potencial hipocrisia. Portanto, deixo aqui expressa, nesta pequena nota, a minha pública ansiedade pelo eventual desfecho que a minha participação neste memorial venha a promover, quer seja pela adesão a programas comemorativos, quer pelo que, ao nível da instituição onde exerço a minha actividade, vier a ser possível disponibilizar. Mas o impulso não traz, só por isso, menos valia pelo facto de não estar previsto em qualquer plano de actividades. Muito menos pelas circunstâncias que envolveram este meu impulso.

E porque se trata de uma identidade de sentimentos, nunca poderei deixar de me juntar àqueles que evocam esta personalidade. Porque em Agostinho da Silva há portugalidade imensa, por referência a uma pátria que se avalia em activos, mas também em passivos, que assim herdamos sem preferências, nunca será demais relembrarmos esta data: “Agostinho, nascido em 1906, no Porto, terá morrido em Lisboa em 1994, a três de Abril, dia da Ressurreição. Por isso ressuscita sempre que, por dentro das suas palavras, ousamos renascer, ao integrá-las no movimento da vida, numa corrente de pensamento que nos faz estar antes e depois da nossa própria vida. E desta escola da Junqueira que o acolheu depois do exílio, ouso proclamar-me seu discípulo. Não apenas da pessoa, mas da tal corrente antiquíssima, intemporal, eterna, a que ambos aderimos, que ambos ousamos servir, porque é antes e depois de nós.” [3]



3. De entre as muitas coisas que podem ficar escritas a respeito de Agostinho, tentando fazer a sua memória, eu não posso ficar indiferente às das suas Reflexões [4], também citadas no ‘sítio’ a que me tenho referido, que aqui apenas deixo em texto:

"A fonte do poder não é, para portugueses, nem delegação de transcendências, nem figuração de imanências, nem contrato ou consenso; a fonte do poder é a unidade essencial do homem, da paisagem e do sonho que numa e noutro anda; o poder emana das aldeias no curtido das faces, na aspereza das rochas, no fumo das lareiras, no mugido dos gados, no escampado horizonte, na imobilidade e no gesto, no silêncio e na palavra; o primeiro elemento é o do homem e o seu chão e o seu cão; depois se forma a aldeia, ainda pequena e desvalida para ser política; mas com o município a primeira república se forma e sobre ela tudo o resto se tem de modelar; a Federação começa aqui ;com a junção das economias aldeãs; a catedral começa aqui; com esta pedra de muro ou este ladrilho de piso; conhece a nau seus primeiros redemoinhos nas águas bravas do cabril; e é o primeiro Reino o deste Rei, com o seu chão e o seu cão; repeti-lo não sobra".

E, para terminar esta nota evocativa, num modus muito cogitandum, subscrevo inteiramente a seguinte definição: “(…) Agostinho da Silva nunca pretendeu converter ninguém, nem, muito menos, fazer discípulos; só quis contribuir para que cada um encontrasse e seguisse o caminho próprio para a santificação da sua vida. Faço, portanto, votos para que, na veneração da sua memória, isso nunca seja esquecido.” [5]

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[1] Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, onde, entre outras actividades, onde o Prof. Doutor JA Maltez dirige o único Centro de Estudos do Pensamento Político português.

[2] JA Maltez, http://www.tempoquepassa.blogspot.com/ (Fev. de 2006).

[3] JA Maltez, Idem.

[4] Agostinho da Silva, Reflexões, Aforismos e Paradoxos, Thesaurus, Brasília, 1999.

[5] Abranches de Soveral, Eduardo, Prof. Doutor, “Agostinho da Silva: Um Homem de Deus”, História do Pensamento Filosófico Português, direcção de Pedro Calafate, ed. Círculo de Leitores, vol. V – Século XX, Tomo 1, 2003, pág. 279.