Da violência reprodutora (ou de como a pseudo-cultura democrática gera múltiplas violências)
Depois de receber mais mail postal do "Portal da Educação", sobre a violência nas escolas de Portugal (algures também), e de, por um acaso, ter lido mais um postal em que o meu mui citado mestre JA Maltez dá uma excelente lição sobre a essência da democracia:
"... O essencial da democracia está no estabelecimento do diálogo entre adversários, como dizia Ortega y Gasset, ou em controlarmos o poder dos que mandam, através do sistema de pesos e contrapesos, visionado por Montesquieu. Melhor ainda: o essencial da democracia está em podermos fazer um golpe de Estado sem efusão de sangue, como dizia Karl Popper. A democracia mede-se menos por resultados eleitorais e mais pela prática governativa das maiorias absolutas. A democracia vive-se e mede-se pela distância que vai da teoria à prática. (...)",
veio-me à ideia o tema da minha proposta de investigação para tese de doutoramento:
"Cultura Democrática e Educação para a Cidadania em Portugal de Abril (Contributos para a formulação de uma epistemologia da democracia e de uma deontologia da sua prática pedagógica).
E, de algumas coisinhas que já me passaram pelos olhos de ler, lembro-me de esta (1):
"... a política de avaliação [dos professores], embora declarando promover o desenvolvimento profissional dos professores e a melhoria organizacional das escolas, não incluía algumas características que a literatura considerava fundamentais para atingir esses objectivos. A implementalão da política visava sobretudo a finalidade administrativa de possibilitar a progressão na carreira docente. Em consequência, foram apresentadas recomendações para a reformulação da política e para a sua implementação de forma mais consonante com as finalidades assumidas."
Dito isto, de outra maneira, o trinómio Estado-Sociedade-Educação desfaz-se num acolchoar de interesses mútuos, entre quem escolhemos para nos governar, e que elegemos para nos avaliar. O sistema que se estruturou com a anterior política de avaliação pariu, há muito, seniores bem instalados nas cadeiras directivas que, à boa maneira caciquista, serão os chefes de equipa das comissões internas que, nas escolas de Portugal, continuarão a gerir os interesses já há muito gerados pelas cliques instaladas.
Por isso, não haverá solução, certamente, que não passe pela analógica instalação, essencialmente democrática, de controlarmos o poder de quem manda, no tal jogo de equilíbrios que só o Estado (a tal componente essencialmente externa e, por isso, isenta e imparcial da avaliação) pode assegurar. As comissões internas de avaliação continuarão, forçosamente (pela inércia característica dos fenómenos grupais intra-organizacionais), a acarretar o pendor das suas decisões a favor daqueles que, em contrapartida, garantirão a continuidade dos seus privilégios.
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(1) Curado, Ana Paula, Política de Avaliação de Professores em Portugal: Um Estudo de Implementação, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, pág. 9. (tradução portuguesa da dissertação de doutoramento da autora).