domingo, novembro 08, 2009

Voltar, de novo, ao futuro!


Obrigado, mestre, por mais uma vez me lembrar das tuas bicadas, e rever nelas muitas das situações com que, frequentemente, evocas clássicas troadas que muitos de agora pensam como novas descobertas e luzes de glória! Mais valeria, realmente, renascer do nada!!!

É (talvez) por isso que só agora volto a escrever algumas notas dignas de publicitar. Por duas razões principais, apenas: primeiro, porque me deste novo alento ao saberes que volto a tentar fugir das garras do sempiterno senhor medo das trevas, ou melhor, medo dos sombrios vultos da cobardia institucionalizada, estatizada q.b. para que ninguém se sinta livre de uma qualquer persiganga a uma qualquer virtude não identificada pelo rolo compressor e unidimensionador do comportamento politicamente correcto. "Hiperdemocratizante" (agora escrevo a palavra com aspas). Serodiamente progressista.
Segundo, porque ao tratar de uma tradução de Ortega y Gasset, me relembro de quantas vezes não terei eu (e outros) lido nas tuas bicadas o que este ilustre filósofo do século passado com raízes no futuro também me está, também ele novamente, a ensinar.

Por isso, aqui deixo algumas das notas com que retrato esta evocação. Com saudades do tal futuro que sempre queremos trilhar, desbravar, perseguir como a uma estrela que nos indica o caminho ...!

"Há sobretudo épocas em que a realidade humana, sempre instável, se precipita em velocidade vertiginosa. A nossa época é dessa classe porque é de descidas e quedas."

"A mentira seria impossível se o falar primário e normal não fosse sincero. A moeda falsa circula apoiada na verdadeira. No final das contas, o engano vem a ser um humilde parasita da ingenuidade."

"Outrora podia ventilar-se a atmosfera confinada de um país abrindo-se as janelas que dão para outro. Mas agora esse expediente não serve de nada, porque em outro país a atmosfera é tão irrespirável como no próprio. Daí a sensação opressora de asfixia."

"...até a extravagante ideia do século XVIII, segundo a qual todos os povos hão de ter uma constituição idêntica, produz o efeito de despertar romanticamente a consciência diferencial das nacionalidades, que vem a ser como estimular em cada um a sua vocação particular."

"... há costumes europeus, usos europeus, opinião pública europeia, direito europeu, poder público europeu. Mas todos esses fenómenos sociais dão-se na forma adequada ao estado de evolução em que se encontra a sociedade europeia, que não é, evidentemente, tão avançado como o dos seus membros componentes, as nações."

"Onde quer que tenha surgido o homem-massa de que este volume se ocupa, um tipo de homem feito de pressa, montado tão somente numas quantas e pobres abstracções e que, por isso mesmo, é idêntico em qualquer parte da Europa. A ele se deve o triste aspecto de asfixiante monotonia que vai tomando a vida em todo o continente. Esse homem-massa é o homem previamente despojado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a todas as disciplinas chamadas “internacionais”. Mais do que um homem, é apenas uma carcaça de homem constituído por meros idola fori; carece de um “dentro”, de uma intimidade sua, inexorável e inalienável, de um eu que não se possa revogar. Daí estar sempre em disponibilidade para fingir ser qualquer coisa. Tem só apetites, crê que só tem direitos e não crê que tem obrigações: é o homem sem nobreza que obriga – sine nobilitate – snob."

"A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princípios o indivíduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Ao amparo do princípio liberal e da norma jurídica podiam aguar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivência legal, eram sinónimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo as suas aspirações e os seus gostos."

"A missão do chamado “intelectual” é, em certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, com frequência baldada, a esclarecer um pouco as coisas, enquanto a do político só pode, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral. Ademais, a persistência destes qualificativos contribui não pouco para falsificar mais ainda a “realidade” do presente, que já fala de per si, porque se encrespou o crespo das experiências políticas a que respondem, como o demonstra o facto de que hoje as direitas prometem revoluções e as esquerdas propõem tiranias."

"Esse costume de falar para a Humanidade, que é a forma mais sublime, e, portanto, a mais desprezível da demagogia, foi adoptada até 1750 por intelectuais desajustados, ignorantes dos seus próprios limites e que sendo, por seu ofício, os homens do dizer, do logos, usaram dele sem respeito e precauções, sem perceberem que a palavra é um sacramento de mui delicada administração."

Por tudo isto evoco essa muito pertinente afirmação de que "só é moda o que passa de moda" - estes excertos são, repare-se, da obra de José Ortega y Gasset "A Rebelião das Massas", 1928.

PS: qualquer semelhança entre as proposições aqui citadas e apresentadas e qualquer das realidades por nós vivenciadas é mera semelhança do acaso, nestes tempos de conturbados determinismos, que a todos nos incomodam.