domingo, abril 16, 2006

Hoje ... de Outros Tempos

E quanta história não há por contar…?

17 de Abril

- de 1969. Começo da Crise Académica de 1969, com greve às aulas e boicote aos exames de Junho, provocada pela prisão pela PIDE de Alberto Martins, presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra, por pretender usar a palavra na cerimónia de inauguração do novo Edifício das Matemáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, presidida pelo Presidente da República, Américo Tomaz. O ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, encerrará temporariamente a Universidade.
(Retirado de “O Portal da História”, www.arqnet.pt/portal/calendario/abril.html)

Revolta estudantil de Coimbra. Incidentes desencadeados quando a recém eleita direcção da Associação Académica de Coimbra, através dos seu presidente, pede para falar na cerimónia, Tomás recusa. Foi o rastilho para o movimento acirrado pelas prisões feitas pela polícia dos dirigentes estudantis. Até Outubro a cidade de Coimbra vai viver em estado generalizado de desobediência cívica. (In “Destaques”, C.E.P.P., ISCSP-UTL.)

Certamente que noutras efemérides se poderão evocar tantos outros episódios da luta estudantil que eu, como muitos companheiros, travámos: lembro-me, para falar de figuras conhecidas do público, do Dr. António Costa Pinto, o então camarada Tony - a quem só revi uns quase 20 anos mais tarde, no ISCSP, na apresentação da tese de doutoramento do seu amigo e já falecido César de Oliveira -, e das inúmeras actividades que com outros desenvolvíamos – Rui Gomes, o nosso “Tarzan”, não pode ficar esquecido -, desde as noitadas de trabalho de publicação na AE do IST, as R.I.A.’s - Reuniões Inter-Associações - que em várias faculdades tinham lugar, até às manifes que por toda a capital se realizavam, … frente aos inúmeros adversários sociais e políticos da altura, na transição da década de 1960 para a de 70, com a evidente influência que os percursores coimbrãos incutiram no espírito de contestação estudantil (não só universitário, mas ao nível generalizado do ensino secundário) a partir do nosso Maio de 68, que se deu a partir de 17 de Abril de 1969. Depois, … bem, o melhor é perguntar à História, essa transcendente racionalização do passar do tempo que só o tempo, melhor que ela, sabe ensinar … .

Vamos “ver” o filme? Então vá lá:

Decorria o ano lectivo 1968/69. Portugal vivia um período tensão, submetido a um governo fascista, que ao longo dos anos cria um clima de tensão provocado pela Guerra Colonial, pela censura à impressa e aos meios culturais, e a perseguição a todos aqueles que se opunham ao regime.
Neste contexto social levanta-se a voz discordante dos estudantes do Ensino Superior e Coimbra é quem ergue a bandeira, defendendo a liberdade, a autonomia e a democratização do Ensino Superior.
A repressão era bem visível no contexto Universitário: a Associação Académica de Coimbra tinha à frente dos seus destinos uma Comissão Administrativa nomeada pelo Estado. Entre 1965 e 1968 não foi permitido aos estudantes a escolha dos seus corpos gerentes.

Em 1968, por iniciativa do Conselho de Republicas (CR) e de vários Dirigentes de Organismos Autónomos, foi criada uma Comissão de Pró-Eleições: o objectivo era de promover o Acto Eleitoral, sendo apenas possível após a recolha de 2500 assinaturas num abaixo assinado que foi entregue ao Reitor da Universidade de Coimbra, Andrade Gouveia.
Após vários recuos e avanços, as eleições realizam-se no final do mês de Fevereiro. Comparecem a este acto eleitoral duas listas: a do Conselho de Repúblicas (CR) e a do Movimento de Renovação e Reforma (MRR). O Conselho de Repúblicas ganha as eleições com cerca de 75% dos votos, avançando com uma linha crítica de contestação à Universidade e a todo o Regime em geral.
Um mês mais tarde a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra eleita é convidada para a cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas da Faculdade de Ciências. A DG não só aceita o convite como afirma publicamente a intenção intervir na cerimónia proferindo algumas palavras de descontentamento sobre a situação do ensino da Universidade de Coimbra e no resto do país.
"Em conversa tida com o Magnifico Reitor expusemos conjuntamente (Associação Académica de Coimbra e a Junta de Delegados das Ciências), a nossa pretensão em nos fazermos ouvir. Foi-nos alegado:
1. O Magnífico Reitor ao discursar, representava a Universidade;
2. A possibilidade de um estudante falar vinha prejudicar as prescrições protocolares;
3. O senhor presidente da república tinha de visitar o edifício, o que não lhe permitia um alargar da secção; … verdadeiramente conscientes, dum dever irmos esgotar todas as vias para que os estudantes, estando presentes, possam participar na sessão inaugurativa"
Na manhã de dia 17 de Abril de 1969 vivia-se em frente ao Departamento de Matemática um cenário pouco característico para uma ditadura, onde as palavras de ordem eram: "Impõe-nos o diálogo de silêncio", "Intervenção das AEs na vida e reforma da Universidade", "Ensino para todos", "Estudantes no Governo da Universidade", "Exigimos Diálogo", "Democratização do Ensino".


No interior do edifício, na actual Sala 17 de Abril, o presidente da DG/AAC, Alberto Martins, acompanhado por Luís Lopes, presidente do TEUC, e Luciano Vilhena Pereira, presidente do CITAC, pede a palavra a Américo Tomás, Presidente da República, que lhe responde de forma inconclusiva.A cerimónia termina abruptamente e toda a comitiva se retira protegida pelos agentes da Pide/DGS.
Nessa noite Alberto Martins é preso à porta da Associação Académica de Coimbra por volta das duas horas da madrugada.
A notícia da prisão de Alberto Martins corre rapidamente, os estudantes mobilizam-se em frente à esquadra, originando confrontos e feridos. Na manhã seguinte Alberto Martins é libertado. Durante a tarde do dia 18 há Assembleia Magna, resultando na conclusão da necessidade do aumento da participação activa dos estudantes na vida universitária.
Decreta-se o "Luto Académico" a 22 de Abril.
O período do "Luto Académico" e da "Greve às Aulas" caracterizou-se pelo debate em torno dos problemas das faculdades, da Universidade e do país. As iniciativas de contestação ao regime, também se repercutiram nas actividades culturais e desportivas, ao ponto da Queima das Fitas de 1969 ter sido cancelada:
"O Conselho de Veteranos decretou o luto, com capa e batina fechada e proibição do uso de insígnias, e a Reunião Geral de Grelados deliberou o cancelamento da Queima das Fitas".
Mais tarde e após a Assembleia Magna do dia 28 Maio, nos jardins da AAC, com a participação de cerca de 6000 estudantes, iniciam-se novas formas de luta: ao a "Greve aos Exames" (com uma adesão de 85%), a "Operação Balão" e a "Operação Flor".
O 17 de Abril de 69 foi o início de um processo de contestação estudantil em que "o objectivo era pôr em causa a Universidade para pôr em causa a sociedade", que viria a terminar com a "Revolução dos Cravos" cinco anos mais tarde no 25 de Abril de 1974, na medida em que conseguiu bloquear a acção do Governo e consciencializar social e politicamente os homens que fizeram o amanhã.


(Retirado e adaptado de http://www.aac.uc.pt/historia/17abril.php)