"É o homem que faz a história, sem saber que história vai fazendo..."
Tenho lido alguns dos artigos que, de vez em quando, os meus olhos perpassam ao ler o JN, reaprando na escrita característica deste autor que considero um dos melhores colunistas da imprensa nacional da actualidade. Mas, a bem da honestidade intelectual e da decência crítica, questiono-me sobre a prematuridade deste apontamento, não lhe retirando a pertinência que, eventualmente, venha a subsistir-lhe! Porque " A principal objectividade a que podemos aceder, quando tratamos de coisas políticas, é a de assumirmos, sem disfarce, as limitações de perspectiva das concepções do mundo e da vida dos nossos tribalismos político-culturais. Porque estes, quando são enraízados numa história pessoal de convicções, geram sempre as limitadoras algemas de uma certa genealogia de subsolos filosóficos, bem como os inevitáveis compromissos das velhas lutas e dos profundos companheirismos que lhes dão identidade.
Sobre a matéria, apenas recordo a minha académica cumplicidade com Luis Viana de Sá, destacado dirigente do PCP e doutor pelo ISCSP, ... .
(...) Se tive a honra de ser o seu formal orientador das dissertações de mestrado e doutoramento, confesso que acabei por viver o desafio de ambos sermos discípulos das mesmas angústias e das mesmas procuras. Contudo, observando a sua aventura universitária, foi-me dado reparar na estreiteza mental desse Portugalório dos que não conseguem ultrapassar uma restrita visão partidocrática do processo político nem superar o paroquialismo das pequenas guerrazinhas de homenzinhos com o seu tribalismo. (...)" (1)
No entanto, o episódio em causa não é um fenómeno sócio-historicamente novo, antes se inscreve numa realidade de certas vivências políticas próprias de muitos tribalismos ideológico-partidários ainda muito remanescentes neste Portugal de muitos pequeninos. E não creio, pelo que já tenho lido do autor do artigo que segue, tratar-se de alguém com tamanha estreiteza de limitações. Até porque quem exorta os valores sociais como aqueles que aqui foram evocados, deve compreender que, muito acima daqueles pretensos visados, está o valor da comunidade e do autor que a soube tão poeticamente sublimar.
"Uma cidade sem memória?
Eugénio de Andrade morreu há um ano. Desde sempre os homens comemoram certas datas em busca de raízes e sinais de identidade. "Co-memorar" significa recordar em comum, e a palavra, contendo a ideia de comunidade, contém ainda um sentido fundamental que as comunidades se fundam numa "memória", ou seja, numa "cultura". "Time future (is) contained in time past", escreve Eliot; e não era preciso convocar Eliot, tão óbvio é que não há futuro sem passado, e que, parafraseando Pessoa, o presente é o "futuro do passado". A "co-memoração" do primeiro aniversário da morte de Eugénio, que fez do Porto a "sua" cidade, que viveu e morreu no Porto, que sobre o Porto escreveu páginas admiráveis e ao Porto dedicou uma obra determinante, "Daqui houve nome Portugal", esteve no entanto a cargo da Fundação Eugénio de Andrade e da
Câmara de Matosinhos. O processo de desertificação cultural empreendido pela actual Câmara do Porto atinge não só o presente mas também o passado, isto é, o futuro. Matosinhos já deu o nome de Eugénio de Andrade a uma Alameda, o Porto nem a um beco sem saída! Não me admirava se ninguém da actual maioria camarária do Porto soubesse quem é Eugénio de Andrade. Mas também não lhes vou explicar. Que procurem no Google!"
in Jornal de Notícias, edição de 22 de Junho de 2006, última página
(1) Extracto de "A objectividade não exclui os compromissos", MALTEZ, J. A. E., Tradição e Revolução - Uma Biografia do Portugal Político do séc. XIX ao XXI, Vol. I, Tribuna da História, Lisboa, 2005, pp. 131-134.