quinta-feira, março 09, 2006

'Blogues' de outros tempos

Assim se divulgava, em 1927, o pensamento e a crítica (ou os blogues de outras eras).
(Reeditado do "Novo Arco Íris"))

10 de Março de 1927. Aparecimento da revista Presença, "folha de arte e crítica" fundada, em Coimbra, por José Régio, João Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca e Edmundo de Bettencourt.


A Revista «Presença»
A revista «Presença» foi lançada em Coimbra em 1927. Dela saíram 54 números. José Régio foi um dos principais fundadores e permaneceu à frente do projecto até à sua extinção, em 1940. Este movimento, habitualmente designado por 2.º Modernismo, divulgou nas páginas da sua revista os autores do 1.º Modernismo: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Muitos nomes de diferentes quadrantes estético-literários colaboraram com a «Presença», nomeadamente Miguel Torga, Vitorino Nemésio, João Gaspar Simões (entre outros). Contudo, as ideias que prevaleceram na literatura (e na arte em geral) valorizaram a dimensão psicológica.É interessante saber que a poesia de alguns presencistas esteve na base dos textos e das composições do Fado de Coimbra e do Fado cantado por Amália Rodrigues.
(retirado de Google.pt e do Portal da história)

Letras do Pensamento

Quinta-feira, Março 09, 2006
(Reedição de Fiat Lux)


+ 1 evocação do mestre Caeiro

Alberto Caeiro


V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo?Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas).O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa.Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?"Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes.O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou!(Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol.E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.