quinta-feira, março 16, 2006


Hoje ... de Outros Tempos

Hoje ... vale a pena recordar ("reeditado de Novo Arco Íris"):

Golpes diplomáticos em jeito de iberíades (1), amores que levam à perdição (2), o nosso “tecido empresarial” eternamente pequenês (3), com ou sem Ministérios do trabalho (4), e como uma grande senhora das letras da nossa praça intelectual também hoje preocuparia o PGR (5)
Que,
(1) Neste dia do mês, no ano de 1737, sob a mediação da Inglaterra e da Holanda, Portugal enceta as «Pazes» com a Espanha, através da Convenção dedicada ao incidente com o embaixador português em Madrid, ocorrido dois anos antes: um preso espanhol refugia-se na legação portuguesa em Madrid, o que levou à invasão da casa do embaixador e à prisão de alguns dos criados. Lisboa paga da mesma moeda, tendo como represália invadido a residência do embaixador espanhol e prendido alguns dos seus servidores.Se a crise já era latente, o incidente desencadeou o corte de relações com a Espanha e a ameaça de guerra, que se torna eminente.
(2) Nasce em Lisboa, em 1825, Camilo Castelo Branco. Para o evocar, gostaria de não me reter apenas naquele episódio da sua vida particular com Ana Plácido, mas da importância literária e filosófica da sua obra. Assim, limito.me, humildemente, a reproduzir a nota que segue (retirada do Google):

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco foi um dos escritores mais profícuos do segundo Romantismo português. Poeta, panfletário, polemista, prefaciador, crítico, tradutor, romancista, dramaturgo, bibliografo, historiador, cultor de todos os géneros, o conjunto da sua obra literária é o mais vasto e diversificado de todo o século dezanove. No romance, género que mais versou (publicou cinquenta e quatro romances), Camilo escreveu na fronteira entre o idealismo romântico (mas já, de certo modo, sob a influência da corrente realista) e a tentativa de alcançar a estética da geração naturalista, primeiro na forma de pastiche estilístico, mais tarde como adesão (embora reactiva) ao movimento de que, no íntimo, desdenhava.Nascido em Lisboa, cedo ficou órfão e passou a viver em Vila Real de Trás-os-Montes com a irmã, mais velha, e uma tia paterna. Depois do casamento da irmã, vai viver com ela para Vilarinho da Samardã onde o irmão do cunhado, o padre António José de Azevedo, o iniciou nos primeiros estudos. A vida aldeã e as recordações de infância perpassam pelas suas narrativas, todas elas, de uma forma ou outra, dotadas de um cunho autobiográfico ou do relato ficcionado de incidentes a que o escritor assistiu ou lhe foram narrados pelos próprios protagonistas.Aos quinze anos casa pela primeira vez, com Joaquina Pereira de França, com quem teve uma filha, logo abandonando as duas, que viriam a morrer pouco tempo depois. Em 1843 matriculou-se na Escola Médica do Porto mas não chegou a concluir os estudos de medicina. Tentou em 1846 frequentar Direito em Coimbra, projecto também gorado por não ter sido admitido na Universidade: desde o ano anterior, Camilo começara a publicar poemas Os Pundunores Desagravados, O Juízo Final e O Sonho do Inferno. De regresso a Vila Real, conhece Patrícia Emília de Barros, com quem foge. Acusado de rapto e desvio de dinheiro, Camilo e Patrícia, que viviam maritalmente, foram presos na Cadeia da Relação do Porto. Desta ligação reultou o nascimento de uma filha, Bernardina Amélia, em 1848.Ainda em 1846, e na sequência da revolta da Maria da Fonte, Camilo terá combatido ao lado da guerrilha miguelista o que, segundo alguns biógrafos, lhe deveu a nomeação para amanuense do Governo Civil em Vila Real, mas fugiu da cidade depois de ter publicado, no jornal portuense O Nacional, duas cartas contra o Governador Civil. Foi viver sozinho para o Porto onde começou a colaborar na imprensa e se revelou polígrafo de escrita rápida, com a publicação da narrativa Maria! Não me mates que sou tua Mãe!, de dois volumes de miscelâneas, de um poema e de uma peça teatral. Em 1850 estava de regresso a Lisboa, onde encetou a sua carreira de polemista com o panfleto O Clero e o Sr. Alexandre Herculano, defendendo o amigo escritor. Neste ano, em que a escrita do romance Anátema e a colaboração em vários jornais – mas também a fundação de alguns outros – marcam a sua dedicação total ao ofício da escrita, conheceu Ana Augusta Plácido, casada com Manuel Pinheiro Alves, mulher fatal, cujo amor impossível quase o levou a abraçar o sacerdócio, tendo solicitado a imposição de Ordens Menores, que lhe foram recusadas devido à vida aventurosa que até então levara. Continua a escrever vertiginosamente, ao mesmo tempo que mantém uma relação adulterina com Ana Plácido. A ligação dos dois foi muito censurada pela sociedade portuense, visto Ana ser casada com um homem respeitado na cidade e ser cunhada de Bernardo Ferreira, filho da famosa Ferreirinha da Régua. Os escritos de Camilo passaram a ser recusados pelos jornais do Porto, deixando-o sem meios de subsistência. Viu-se obrigado a concorrer em 1858 ao cargo de segundo bibliotecário da Biblioteca Pública Municipal do Porto, não conseguindo ser admitido, mesmo contando com a protecção de Alexandre Herculano, que nesse mesmo ano o propôs para sócio correspondente da Academia Real das Ciências, no intuito de reabilitar o nome do amigo.Entretanto, e depois de Ana Plácido ter dado à luz um filho, presumivelmente de Camilo, Pinheiro Alves moveu aos dois amantes um processo de adultério, tendo ambos sido presos na Cadeia da Relação do Porto em 1860. Era a segunda estada de Camilo naquela Prisão: desta vez, já escritor consagrado, recebe visitas do jovem rei D. Pedro V, traduz várias obras de autores estrangeiros e compõe diversos dos seus mais conhecidos romances – Amor de Perdição, Romance dum Homem Rico, Doze Casamentos Felizes. As suas recordações da Relação ficaram fixadas em Memórias do Cárcere, livro no qual dá conta das muitas figuras que ali conheceu, nomeadamente o célebre José do Telhado.Depois da absolvição de Camilo e Ana Plácido, do nascimento do filho Jorge e da morte de Pinheiro Alves – que deixou à mulher uma herança em dinheiro e diversos imóveis – os dois mudam-se para a Quinta de São Miguel de Ceide em 1864, onde lhes nasce o terceiro filho, Nuno. Camilo continua a escrever vertiginosamente – chega a publicar seis romances por ano, para além da colaboração jornalística – e a doença oftálmica, que se tinha declarado anos antes vai piorando.As manifestações de loucura do filho Jorge e as difíceis condições de subsistência obrigam-no, em 1871, a fazer um primeiro leilão da sua biblioteca. Sucedem-se publicações, sobretudo de traduções adaptadas, sem nome do autor original. Em 1879 volta à polémica, desta vez resultante do Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros, antologia cujas críticas lhe valerão resposta no volume Os críticos do Cancioneiro Alegre. Nesse mesmo ano publica Eusébio Macário que, com A Corja, do ano seguinte e O senhor Ministro, publicado em Narcóticos, constituem uma série de imitações “facetas” do estilo naturalista, então entrado em voga. Num último romance, Vulcões de Lama, de 1886, ridiculariza a escola realista, pondo em cena diversos tipos da sociedade portuguesa da época.Em 1888, depois de vários empenhos, é feito Visconde de Correia Botelho, conseguindo no ano seguinte uma pensão vitalícia para o filho Jorge, cuja loucura era irreversível. Cego, e desenganado dos muitos médicos que o tentaram tratar, suicidou-se em S. Miguel de Ceide no dia 1 de Junho de 1890.
(3) Como me deixa preocupado, este Decreto de 1893, que regulamenta o trabalho feminino e dos menores. A idade legal era fixada em 16 anos para os rapazes e 21 anos para as raparigas. Previa, ainda, a proibição de trabalho durante as quatro semanas posteriores ao parto, assim como a obrigação, para as fábricas que empregassem mais de 50 mulheres, de instalar uma creche a menos de 300 metros da fábrica. Previa-se ainda a possibilidade de as mães se ausentarem do trabalho a fim de amamentarem os filhos.Apesar de muita desta legislação não ter passado de letra morta, mesmo com a fiscalização do seu cumprimento prevista, não só importa como nota histórica de um quadro legal de referência à maior força reivindicativa que, em tempo monárquico, ficou capital do operariado já em crise, como deve fazer inveja aos dias que correm … (lembro-me do noticiado mas já esquecido episódio da srª que, em pleno Parque das Nações guterrista, foi impedida de “dar de mamar” ao seu bebé, por ter sido considerado uma falta de pudor …). Mas, acima de tudo, lembro-me do que nas minhas aulas já tenho dito aos meus alunos, falando de desenvolvimento sócio-humano, quando olhamos para a generalidade das empresas portuguesas e do preceito que, neste então de 1893, tanta inveja deve provocar às nossas mamãs de hoje …. Será que agora já não têm ‘las ganas’ de outrora? Nuestras mujeres estan volvendo locas ó qué pasará com sus ombres?, vuelven marchitables, por supuesto? Não será este mais um dos nossos indicadores de subdesenvolvimento? Cogitando … ma non tropo!
(4) Criação do Ministério do trabalho (e Previdência Social), que alargou os serviços de assistência prestados pelo Estado. Foram criados orgãos próprios destinados a uma prestação mais vasta de serviços, como é o caso dos socorros mútuos, seguros, caixas de pensão e económicas, cooperativas, etc. (ver Nota Histórica no Google, com toda a Génese e Desenvolvimento do Ministério - 1916-2004)
(5) Também para Natália Correia quero deixar falar as notas já historiografadas, porque o fazem muito melhor que eu. Mas não posso, também aqui, deixar passar o facto de, para este vulto do nosso património cultural, terem sido publicamente evocados episódios da vida privada que, certamente para a ética socialmente perfilada, não chegarão para abonar toda a verdade. Lembro-me de uma célebre entrevista à revista “K”, de 1992, em que Luís Pacheco então dizia que “A Natália Correia é uma devassa, vocês ponham isso que ela fica toda zangada, mas ela é uma devassa. Ela meteu-se com uma mulher minha”, antes do entrevistador lhe perguntar (K) “Como explica que em França os surrealistas fossem praticamente homófobos, e o grupo surrealista português tenha uma forte presença homossexual?” Ao que respondeu: (LP) “Não, aqui não havia tantos como isso… ficaram espantados como é que eu de repente aparecia aqui atrás de um magala. Eu era considerado um pai de família, tinha filhos, tinha casa.” (K) “Mas isso é a tradição homossexual portuguesa.” (LP) Sim, isso é para tapar. Casam-se. É o caso da Natália Correia, já vai no 4º marido para tapar, ela não gosta de homens (eu sei lá do que ela gosta ou do que não gosta!). Não, esses casamentos de conveniência para tapar os vícios ocultos, acho que há em todo o lado.” (…)Que quererá, hoje, tal entrevista significar? Que nos resignemos à realidade que não queremos reconhecer? Mais vale ficarmo-nos, por isso, com outras notas, dignas da publicitação que a obra desta autora também merece, sobretudo quando se evoca o dia em que, em 1993, nos deixou.
NATÁLIA CORREIA


[Fajã de Baixo (São Miguel, Açores), 1923 - Lisboa, 1993
Nascida na Fajã de Baixo (Ilha de São Miguel, Açores) em 13 de Setembro de 1923, Natália de Oliveira Correia – que se estabeleceu em Lisboa com a mãe e a irmã aos onze anos, quando o pai emigrou para o Brasil – foi uma das personalidades mais destacadas da literatura portuguesa das últimas décadas. Notabilizada através de diversas vertentes do ofício da escrita (foi poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora), tornou-se conhecida na imprensa escrita e, sobretudo, na televisão, em programas como «Mátria», no qual exprimia uma forma especial de feminismo – afastado do conceito tradicional do movimento e que mais correctamente se poderia intitular «feminilidade portuguesa» – o matricismo, identificador da mulher como matriz primordial e arquétipo da liberdade erótica e passional; mais tarde, à noção de Pátria e de Mátria acrescenta a de Frátria.Natália dava largas ao seu invulgar talento oratório – a que não era estranha a coragem combativa que a moveu em vários momentos de intervenção política pública – nas suas polémicas intervenções parlamentares enquanto deputada (1980-1991) e nas tertúlias artísticas: primeiro em sua casa, mais tarde no bar Botequim, que fundou em 1971 com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta, e onde durante os anos setenta e oitenta do século XX se reuniu grande parte da intelectualidade portuguesa – foi amiga de António Sérgio (esteve associada ao Movimento da Filosofia Portuguesa), Cruzeiro Seixas, David Mourão-Ferreira (“a irmã que nunca tive”), Mário Soares, Urbano Tavares Rodrigues, José-Augusto França (“a mais linda mulher de Lisboa”), Manuel de Lima, Luiz Pacheco (“esta hierofântide do século XX”), Mário Cesariny, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Ary dos Santos, Fernanda de Castro... – e muitos escritores estrangeiros – Henry Miller, Henri Michaux, Graham Green, Ionesco... Em diversas ocasiões tomou parte activa nos movimentos de oposição anti-fascista, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do General Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969). Durante a ditatura foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação de uma Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1966) e processada pela responsabilidade editorial das Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta nos Estúdios Cor, de que foi directora literária; foi também responsável pela coordenação da Editora Arcádia.Na linha de Teixeira de Pascoaes, Natália Correia defendia «a poesia como profecia» e «o poeta como profeta». Mais do que saudosista, a sua forte ligação às ilhas atlânticas (sobretudo à sua S. Miguel natal) e ao seu maior poeta, Antero de Quental, era de permanente paixão, tendo mesmo, depois da revolução de 25 de Abril de 1974, apoiado a Frente de Libertação Açoriana e escrito a letra para o hino dos Açores. Após a Revolução foi, ainda, directora das publicações Século-Hoje e Vida Mundial, e consultora para os Assuntos Culturais Internos da Secretaria de Estado da Cultura (1977), tutelada por David Mourão-Ferreira. Em 1992, liderou a criação da Frente Nacional para a Defesa da Cultura, acompanhada, entre outros, por José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues e Manuel da Fonseca.O seu primeiro romance, uma narrativa infantil, Grandes Aventuras de um Pequeno Herói, surgiu em 1946. Nesse mesmo ano começa a escrever poesia. Pela vida fora publicou numerosos livros, datando o último do ano da sua morte, O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, a reunião da sua poesia completa, que inclui todos os livros publicados e muitos poemas inéditos.Natália Correia, cuja escrita alguns críticos classificaram como surrealista, outros como barroca e outros, ainda, como romântica (entre todas, a classificação preferida pela própria), foi na verdade uma escritora cuja originalidade e versatilidade não podem ser compartimentadas em qualquer escola literária. Estudiosa do Cancioneiro Medieval, e adaptadora para português moderno dos Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses, organizou uma Antologia da Poesia do Período Barroco; em ambos os períodos literários buscou inspiração, mas não deixou de introduzir nos poemas da sua lavra um singular talento e uma peculiar expressão poética, a que não é alheia a hábil utilização de figuras de estilo como a metáfora, os paralelismos e as repetições. Por outro lado, a ironia e o sarcasmo, as associações fónicas e imagéticas, aproximam-na do surrealismo, sem que a sua poesia deixe de ter um toque de originalidade que não pode sofrer comparação com outras expressões do movimento surrealista português. Natália Correia foi um desses seres, frequentes no nosso país, que se adiantam ao tempo em que vivem para anunciar, antecipar, novas expressões culturais. Reencontrou os grandes mitos portugueses, que nos seus trabalhos se transformaram em arquétipos recorrentes: os mitos do Andrógino (o ser completo, uno e plural), do Desejado (que simboliza a resistência, a esperança em tempos melhores), a história de Pedro e Inês (símbolos da paixão, da volúpia na morte), o espaço sagrado e iniciático da Ilha, com os seus enigmas por resolver. Toda a sua criatividade lhes estava dirigida: reformulando-os, dedicou obras próprias a cada um desses mitos, símbolos e arquétipos, conferindo-lhes uma dimensão de futuro, de liberdade, de natalidade, de portugalidade sentida. A esta faceta não deve ser alheia a sua experiência vivencial nos Estados Unidos da América, enquanto esteve casada em segundas núpcias com o norte americano William Creighton Hyler. Ali escreveu o livro de crónicas Descobri que era Europeia.Em 1962, Natália Correia conhece um jovem poeta e cineasta que se apaixona por ela, Dórdio Guimarães, com quem estabelece uma longa amizade. Viúva do terceiro marido, Alfredo Machado, casa-se com Dórdio em Março de 1990. Natália Correia recebeu, em 1991, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Sonetos Românticos. No mesmo ano foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade; era já detentora da Ordem de Santiago. Faleceu em Lisboa, em 16 de Março de 1993. O seu espólio literário, constante de muitos volumes éditos, inéditos, documentos biográficos, iconografia e correspondência, foi arrolado sob orientação da sua grande amiga Helena Roseta e está a ser tratado por uma equipa de especialistas da Biblioteca Nacional de Lisboa para depois ser partilhado entre a Biblioteca Nacional e o Governo Regional dos Açores, conforme as disposições testamentárias de Natália Correia e de Dórdio Guimarães. Os volumes constantes das suas bibliotecas ficaram integralmente na posse do Governo Regional dos Açores, onde estão a ser catalogados pela Biblioteca de Ponta Delgada.