Lembro-me, desde pequeno, que também nas fachadas dos tribunais de Portugal se poderia ler a inscrição latina ... Domvs Iustitiae!
Pressupunham os romanos haver justiça (ius) quando o fiel dos pratos da balança que a deusa Iustitia, de pé e com os olhos vendados, segurava na mão esquerda, se encontrava perfeitamente ao meio.
Ao que os gregos também chamavam isonomia, embora a deusa Dike, filha de Zeus e de Thémis, também de pé mas com os olhos bem abertos, igualmente de espada na mão direita e de balança na mão esquerda, declarasse haver justiça (íson) estando os pratos equilibrados.
A partir deste paralelismo, apenas me asalta o pensamento estoutro que é o da figura dos Estados de Direito, mas onde nuns o ius ou íson está mais em equilíbrio do que noutros. (1)
Lembro-me assim que, por exemplo, em Portugal não se vislumbra a reparação de danos de qualquer espécie de um sujeito tão culpado como é um distribuidor de tabaco, pelos sobejamente conhecidos malefícios que traz à saúde (já na esfera, ainda mais grave, que é o da saúde pública), tal como acontece neste caso aqui reportado a partir da notícia do Público.
"Tabaqueiras norte-americanas condenadas por terem enganado os consumidores
Um tribunal federal norte-americano considerou que as maiores tabaqueiras do país enganaram os consumidores durante anos sobre o risco que o tabaco representa para a saúde, devido à utilização de expressões como "light" e "suave" nos maços, e obrigou as companhias a retirar essas referências dos seus produtos.
Um tribunal federal norte-americano considerou que as maiores tabaqueiras do país enganaram os consumidores durante anos sobre o risco que o tabaco representa para a saúde, devido à utilização de expressões como "light" e "suave" nos maços, e obrigou as companhias a retirar essas referências dos seus produtos.
Apesar da condenação, a juíza Gladys Kessler não definiu qualquer indemnização a pagar pelos fabricantes, ao contrário do que pedia o Departamento de Justiça norte-americano.
A juíza ordenou às empresas visadas (Philip Morris USA Inc., Altria Group Inc., R.J. Reynolds Tobacco Co., Brown & Williamson Tobacco Co., British American Tobacco Ltd., Lorillard Tobacco Co., Liggett Group Inc., Counsel for Tobacco Research-USA e o extinto Tobacco Institute) que publiquem nos jornais e nos seus sites na Internet comunicados a corrigir as situações apontadas na sentença. Entre elas, que sejam clarificadas as particularidades do tabaco e da nicotina que causam dependência e as suas consequências para a saúde.
Mais importante ainda, a juíza federal obriga as tabaqueiras a eliminar rótulos como "baixo teor de alcatrão" ("low tar") "light", "ultra light" ou "suave" ("mild"), já que estes produtos apresentam os mesmos riscos dos cigarros clássicos devido à forma como são consumidos.
Na sentença, lida ontem, a juíza de Washington considera que "ao longo de mais de 50 anos, os réus mentiram, iludiram e enganaram o público americano, incluindo fumadores e jovens que avidamente procuraram como 'fumadores substitutos', sobre os efeitos devastadores do tabaco para a saúde e do fumo ambiental de tabaco [fumo passivo]".
Departamento de Justiça pedia programa nacional antitabágico
O processo movido pelo Departamento de Justiça norte-americano pedia também a criação de um programa nacional antitabágico. Apesar de admitir que tal plano "serviria inquestionavelmente o interesse público", a juíza explicou que não poderia ditar a sua implementação devido a uma decisão anterior que determinou a obrigatoriedade da aplicação de soluções prospectivas e não retrospectivas.
Este processo arrastava-se nos tribunais norte-americanos desde a presidência de Bill Clinton, com a Administração federal a exigir 7,8 mil milhões de euros às tabaqueiras para aplicação em programas que ajudem os fumadores a abandonar o vício.
Perante a decisão da juíza Gladys Kessler, as tabaqueiras congratularam-se com o facto de não terem sido alvo de "penalidades monetárias injustificadas e extraordinariamente caras", segundo Mark Smith, porta-voz da R.J. Reynolds Tobacco Co.
Ainda assim, este porta-voz lamentou que a juíza tivesse considerado que as tabaqueiras conspiraram para violar a lei federal e enganar os consumidores, avisando que os advogados da empresa vão analisar a decisão judicial e decidir se apresentam ou não um recurso.
O Ministério da Justiça, por seu turno, não ficou agradado com a ausência de uma penalização financeira sobre as tabaqueiras. O queixoso acredita, ainda assim, que as medidas impostas pelo tribunal "possam ter um impacto positivo e significativo na saúde do público americano".
Todas as empresas, à excepção do Liggett Group, foram ainda condenadas a pagar as custas judiciais do processo, que ascendem a 109 milhões de euros.
Na Europa já não há cigarros "light
"As tabaqueiras, nomeadamente as norte-americanas, tentaram contestar a directiva da União Europeia que obriga à colocação dos já comuns avisos nos maços sobre os perigos do tabaco para a saúde, que também eliminou as expressões como "light" e "ultra-light" das embalagens de cigarros.
A legislação comunitária, que data de 2002 e que entrou em vigor em 2003, obriga as tabaqueiras a colocar avisos nos produtos à venda na Europa sobre os problemas de saúde que podem ser provocados pelo consumo do tabaco. O mesmo diploma obrigou ao desaparecimento, no espaço comunitário, de marcas de tabaco que utilizem a denominação "mild" ("suave", em português) e "light".
A directiva versa ainda sobre a composição dos cigarros, nomeadamente fixando limites de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono na sua constituição.
As tabaqueiras Imperial Tobacco e British American Tobacco contestaram a legislação no Tribunal Europeu de Justiça, no Luxemburgo, a mais alta instância judicial comunitária, mas o tribunal não considerou que as directivas em causa sejam demasiadamente rígidas, como defendiam os queixosos."
(1) Adaptado de Chorão, Mário Bigotte, Introdução ao Direito, vol. 1, Almedina, Coimbra, 1989, pp. 27-28.