quarta-feira, janeiro 31, 2007

Mas que dias, estes 31's de Janeiro

Levantam-se espíritos sobressaltados nestes dias. Mesmo daqueles de quem esperamos alguma responsabilidade, institucional ou não, apenas continuamos a observar, pelo menos em alguns, que persistem complexos de esquerda, causados por antagonismos de direita igualmente xenófoba e não menos maquiavélica. Os devoradores de filhos continuam a encontrar nas peripécias alheias o melhor bode expiatório para os erro que nunca conseguem assumir, tão cobardes são os que andam à sombra das virtudes que, apenas muito dificilmente, poderão alcançar.



Num dia de mais uma aula de Ciência Política, que poderia tornar-se profícua pela ensinamento, devidamente programado na responsabilidade ministerial, do tipo e origem do nosso sistema de governo, torna-se evidente o descalabro de algumas pseudo-responsabilidades, organicamente desorganizadas, que aparentemente coordenam a supervisão pedagógica, tão preocupadas que estão com o linchamento pessoal e profissional das adversidades que criaram, tudo na sombra das tais longínquas virtudes ...



Não digo mais, pois a disciplina burocrática continua a fazer justiça por cima, naquele tal tambor de peles humanas que se negam ao conformismo hipócrita dos situacionistas do ditirambo, esses pseudo-repúblicos que preferem beijar-mão a homens que gostariam de ser rei, com orquestras de que não têm capacidade para maestrar, ...

Deixo-me, neste espírito também evocador, com mais uma excelente bicada que constará nos anais da academia blogueira, de meu mui citado mestre JAM. Ao jeito de um complemento, se meus alunos assim também o quiserem, que não consegui transmitir na aula de hoje, que apenas tratou da sede formal do Poder. Assim o queiram. Mas, para isso, é preciso ler, para só depois se poder perceber e, com isso, ficar a saber o que se deve aprender:

"Conservadores, reaccionários, contra-revolucionários e o 31 de Janeiro de 1891, por um republicano monárquico, sem rei nem república...


Ontem andei por aí em certas bocas mediáticas, desde um comentário que fiz à Lusa, a uma breve entrevista que dei à nova RCP, por sugestão do meu caro irmão-inimigo, José Luís Saldanha Sanches, sobre o que é ser conservador sem medo das mudanças. Nesta última, repeti o que aqui tenho dito e redito: que há uma diferença fundamental entre os situacionistas, os que querem conservar o que está, e os que querem conservar o que deve-ser, estabelecendo a necessária fronteira que separa um conservador de um reaccionário, ou daqueles contra-revolucionários que querem fazer uma revolução em sentido contrário, incluindo a revolução nacional.

Assumindo-me como um liberal à antiga, bem camponês, pouco capitaleiro, e invocando o conservadorismo de Burke, que não era tory, ou de Churchill, que rebentou com o totalitarismo de Hitler, lá invoquei que o homem ocidental é essencialmente do contra (Nós, ocidentais, o que primeiramente somos é anti. Depois é que resolvemos o que havemos de ser, Unamuno) e que o mal do nosso perene situacionismo está num sistema educativo que anda sempre a reboque dos sucessivos politicamente correctos e das consequentes modas que passam de moda, não cultivando o modelo proposto por Dewey para a pesquisa da criatividade pessoal.



Não tive tempo para dizer que subscrevo o grande pedagogo, para quem os valores são tão instáveis como as formas das nuvens...As coisas que os possuem estão expostas a todos os acasos da existência. Não apenas os chamados valores de facto, os bens imediatamente desejados, como os próprios valores normativos, dado que também estes não podem ter pretensão meta-histórica, pois todo o sistema ético é relativo ao meio em que se formou e tornou funcional. Porque todo o meio é um fim e todo o fim é um meio, dado que o fim alcançado é sempre um meio para outros fins.

Porque a utopia normalmente gera o cepticismo e o fanatismo e importa reagir contra a sociedade planeada (planned society) que requer desígnios finais impostos de cima e que, portanto, se baseiam na força, física e psicológica para que nos conformemos a eles. Assim, defende a continuous planning society, que significa libertar a inteligência, mediante a forma mais vasta do intercâmbio comunicativo.

Lamentei que, entre os grandes portugueses, a ditadura dos perguntadores nos leve a ter que escolher entre Salazar, um déspota que foi, e Cunhal, um déspota que não deixámos que fosse, dando a imagem da nossa Avenida da Liberdade que, começando, e bem, nos Restauradores, é encimada pela protecção de um déspota (Pombal).

Disse que o pior dos maus conservadores em Portugal era o Estado-aparelho de poder, onde passámos do conceito de rei absoluto para o conceito de povo-absoluto, não desenvolvendo aquelas sementes de consensualismo que, na pós-revolução, foram assumidas pelo cartismo que a si mesmo se qualificou como "conservador".



Não disse que deveríamos ter desenvolvido as sementes de 1640 ou das revoluções inglesa e norte-americana, que foram revoluções evitadas, porque nos esquecemos sempre que as revoluções são sempre frustradas na pós-revolução, onde o que se pretendeu abolir com a violência jacobina e deitar fora pela janela acaba por entrar pelo sótão dos fantasmas de direita e dos preconceitos de esquerda.

Conservadores do que está não são os portugueses à solta que, quando libertos das teias capitaleiras e castíferas, souberam dar novos mundos ao mundo e geraram esta nossa pátria que é a língua portuguesa de mais de duzentos milhões de homens em abraço armilar.

Bem me apetecia ter citado Popper, na necessidade de combate ao totalitarismo e ao historicismo, defendendo, contra a utopia, o gradualismo reformista, o racionalismo crítico, o individualismo metodológico e aquilo que alguns qualificam como utilitarismo negativo, isto é, que os governos não devem ter como objectivo o aumento da felicidade global, mas antes a redução do sofrimento conhecido.

Porque a mente não é uma tabula rasa, dado sermos memória biológico-cultural, marcados por problemas, isto é, por expectativas desiludidas, esses pedaços de memória que se chocam com outras expectativas e com alguns pedaços de realidade. E o que nós pesquisamos é a solução dos problemas, coisa que só poderemos enfrentar pela imaginação criadora de hipóteses e conjecturas, sendo urgente a criação de ideias novas e boas, onde as hipóteses, como tentativas de solução, devem ser provadas. Mas, por mais confirmações que uma teoria possa obter, ela nunca será certa e quanto mais depressa encontrarmos um erro, mais cedo o poderemos eliminar.

Porque eu posso ser conservador nos valores essenciais, reformista nas metodologias e revolucionário nos objectivos, bem pouco neolib e nada neocon, para que fora de nós não fique um único deus. Os portugueses que, comandados por um "Conselho Conservador", que era maçónico e tudo, enfrentaram os invasores napoleónicos, sempre se souberam reinventar pelas mudanças e, ainda recentemente, passámos, em menos de uma geração, do último império colonial europeu para a plena integração europeia. Tal como fomos precursores na revolução liberal, nas abolições da escravatura e da pena de morte ou na "third wave" da democracia, fugindo à vacina com que Kissinger nos antevia como a repetição de Kerensky.


Por mim, conservador à maneira de Alexandre Herculano, Fernando Pessoa ou Agostinho da Silva, com eles me irmano a Edmund Burke, a José Ortega y Gasset e a Winston Churchill, em termos de concepção do mundo e da vida. Continuo liberal liberdadeiro, porque, como dizia Raul Proença, o verdadeiro liberal não diz isto é verdade, mas sim que sou levado a pensar que nas circunstâncias actuais este ponto de vista é provavelmente o melhor. Continuo a temer, como o conservador Herculano, todos os prólogos ao cesarismo que querem o homem em molécula e repugna-me ver o homem apoucado, quase anulado diante da sociedade.

Sou tão conservador que até quero conservar a nossa tradição liberal e apetecia dizer aqui o que proclamou Domenico Fisichella em Itália: o nosso património è intessuto di quella cultura nazionale che ci fa essere comunque figli di Dante e di Machiavelli, di Rosmini e di Gioberti, di Mazzini e di Corradini, di Croce, di Gentile e anche di Gramsci. Porque, glosando Manuel Alegre, todos somos filhos de monárquicos sem rei e de republicanos sem república. Mas ainda sonhamos.

Apenas advogo, como Feyerabend, um relativismo à maneira de Protágoras, considerando que o libertador de ontem se pode tornar no tirano de amanhã: não há nada na ciência ou em qualquer outra ideologia que as torne intrinsecamente libertadoras. As ideologias podem deteriorar-se e tornar-se religiões dogmáticas (como, por exemplo, o marxismo). Elas começam a deteriorar-se quando conquistam sucesso e se transformam em dogmas no momento em que a oposição é esmagada e o seu triunfo se transforma na sua ruína.

Aliás, hoje, rememorando o 31 de Janeiro de 1891, eu, como monárquico sem rei, quero homenagear Basílio Teles e Sampaio Bruno, esses republicanos que nunca tiveram república, mestres dessa revolução, coisa enorme e nada. Porque durante todo o dia que durou a revolução de 31 de Janeiro, um caldeireiro trabalhou na sua oficina fazendo sem cessar a pancada do seu martelo e, sem por um momento só, levantar os olhos para o céu, para o ar, para a vida: as revoluções que não conseguem fazer parar um martelo que bate numa caldeira de cobre, não conseguem fazer parar forças sociais de muito mais imperiosa função, porque revolução é uma coisa enorme e afinal não é nada (João Chagas).

Ainda temos a consistência das alforrecas: esta crise com efeito veio provar que Portugal pede um tirano; mas a nossa desgraçada pátria nem tiranos tem. Tudo é papas. Temos a consistência das alforrecas... O ministério que, parece, vingará, é uma espécie de tambor que todos vão malhar à vontade e que será esmagado miseravelmente (Joaquim Pedro de Oliveira Martins, em 9 de Fevereiro de 1891).

posted by JAM"

terça-feira, janeiro 30, 2007

Que ninguém diga Sim, Não, nem muito menos Nim!

Oiço e vejo mais um dos espectáculos mediáticos de discussão pública! Mas gostaria de ver realizada aquela pretensão minha, talvez ilusão, de que há plateias de gente que sabe falar, mas porque primeiro, antes de praguejar e aplaudir, pensa sobre o que sabe ouvir!
Eu que, como muitos, já me cansei, por alguns bons anos, de ver, por exemplo em canais televisivos já acessíveis a muitos, programas de debates em que a participação dos presentes (e não só), por ser serena e ordeira, não perde uma ínfima parte da plenitude por que tanto a mediadora de ontem interveio! E, em abono da verdade se diga, sem querer tomar partido, alguns dos adeptos do Sim manifestaram-se segundo os preceitos de comportamento social característicos dos que não sabem conviver com a diferença de opinião, decisivamente marcantes nos que tentam impôr um raciocínio unidimensional que segue o trilho totalitário dos déspotas esclarecidos!
Mais uma vez, espero pelo meu país! Aqui como noutras instâncias discursivas, espero pelo meu país feito de gente que o mereça! De gente que sabe o que pensa, para medir o que diz e, assim, se sentir bem com o que faz! De gente que só o será quando souber que a sua liberdade só pode ir até onde começam as liberdades dos outros, naquele tal caminho colectivo em que o respeito que me é devido é feito no respeito que eu tenho pelos outros!
Que saudade esta espera me provoca! De ver os mais interessados (o grupo dos potenciais alvos da lei sobre a IVG) a protagonizarem estas representações públicas, de que certamente sobressairiam proféticas mas pertinentes conclusões como:
1. a inevitabilidade do aborto;
2. a necessária reivindicação de condições dignas para a sua realização;
3. a definição de um enquadramento legal não penalizador, observadas, por um lado, as expressões volitivas do agente activo (os progenitores que a tal se propõem) e do agente passivo (de quem, pública ou particularmente, está autorizado a realizar este tipo de operações); e, por outro lado, as responsabilidades advenientes, ou seja, o apuramento das imputabilidades em caso de, podendo ter tomado uma opção, se ter tomado a outra;
E, consequentemente,
4. a reclamação de condições de acolhimento institucional compulsivo, caso uma mulher não esteja, subjectiva e/ ou objectivamente, em condições de assumir a maternidade.
Pois, pior que tudo para os adeptos do Sim, é que muitos portugueses irão, certamente, votar Não à questão que lhes vai ser posta, sendo que também são pelo Sim à pretensão de um quadro legal que não ofenda a dignidade das mulheres em questão!
Assim, talvez ...

terça-feira, janeiro 23, 2007

Esperando, ... esperando vou escutando e aprendendo, ...

Leio, como de costume de um fôlego, os posts de meu mui citado mestre JAM. Como este serve, por todos, para bem ilustrar a sua posição face a este polémico e deturpado acto de manifestação democrática que é a expressão referendatária da vontade popular sobre a IVG (a polémica da questão reside, desde logo, nas múltiplas designações com que têm sido abordadas as diversas perspectivas de encarar este fenómeno, essencialmente, humano).
Mas, logo de seguida, e por acaso nos 'mergulhos' que costumo fazer, também, a partir do tempo que passa, dou de caras, a partir do Casa de Sartro, com o alameda digital, onde encontrei muitas e boas razões para aprofundarmos, académica, filosofica e, acima de tudo, despreconceituadamente, esta questão a sufragar no próximo dia 11 de Fevereiro.
Aqui deixo, por isso, estas duas exposições na íntegra, as quais muito bem poderiam constituir a melhor aula de filosofia política, de moral, de retórica ou, muito simplesmente, de apontamento crítico ao jeito da mera participação cívica para qualquer cidadão:

"Há uma razão humana que governa todos os povos da terra
Continuo a ouvir, ver e ler perlengas bispais sobre a IVG como pena capital, as quais constituem uma espécie de caricatural fuga ao que deviam ser os tempos de antena da campanha do "sim". Dou assim razão a Bergson, para quem o homem é um animal que sabe rir, porque não há nada de cómico fora do que é propriamente humano. É que o cómico nasce quando os homens reunidos em grupo voltam a sua atenção para um deles, calando a sua sensibilidade e exercendo só a sua inteligência.
Portanto, sobre a matéria, quase me apetece citar José Ortega y Gasset, o tal espanhol que, desde 1942 até à data da sua morte, sempre se disse "residente em Lisboa" (no nº 10 da Avenida 5 de Outubro, diga-se), para quem quando a paixão invade as multidões, é crime de lesa-pensamento o pensador falar. Porque para falar tem que mentir. E o homem que aparece antes de mais entregue ao exercício intelectual não tem o direito de mentir. Acontece apenas que, de vez em quando, há que seguir outro dito do mesmo mestre: reivindico inteiramente o direito de me manifestar tal como sou. Ingresso na política, mas sem abandonar um átomo da minha substância... Reclamo o pleno direito de se fazer uma política poética, filosófica, cordial e alegre. Outra coisa seria coarctar-me injustamente.
Daí que me apeteça sublinhar que nunca foram os prelados que levaram à abolição da pena de morte em Portugal. Estavam presos demais aos autos de fé e ao caceteirismo do partido do Ramalhão, e não consta que, entre os dogmas, tivessem o princípio de abolição de coisas como a escravatura ou a pena de morte. E não mentirei se sublinhar que tais conquistas se devem a famílias humanistas daquela parcela do Ocidente que, mergulhando nas profundidades do estoicismo greco-romano e nas irmandades medievais, faziam parte daquela corrente que vai de Beccaria a Ortega y Gasset, misturando Locke, Montesquieu e Kant.
Os senhores bispos são ilustres representantes de um legado político-cultural humanista e libertador, mas dele não têm o monopólio. E não convém que atirem pedradas aos telhados e janelas dos outros, porque basta chegarem a casa e achar as suas quebradas. Quem aboliu a pena de morte em Portugal para crimes políticos foi o Acto Adicional à Carta, de 1852, obra da Regeneração e dos ilustres seguidores e companheiros de valores de Alexandre Herculano, o tal eu que se opôs às circunstâncias do então clero. Quem a aboliu na generalidade para todos os crimes foi o acto legislativo de 1 de Julho de 1867, o da fusão liberal, dos companheiros de valores de Vicente Ferrer de Neto Paiva e António Luís de Seabra.
Diremos, a este respeito, que os indivíduos só começaram a ser vistos como sujeitos activos a partir do século XII, com o desenvolvimento da Escola dos Glosadores e com o proto-individualismo franciscano. Só a partir de então é que a teoria e a prática começaram a distinguir-nos do grupo, principalmente quando se iniciou o processo de conquista da primeira das liberdades: o direito à segurança, o direito de cada um à apropriação do seu próprio corpo. Porque até então havia um poder do todo sobre o corpo de cada um, havia o ius vitae necisque, um poder de vida ou de morte, que o paterfamilias havia transmitido ao princeps.
Foi então que começámos a deixar de ser escravos, quando nos passámos a distinguir das coisas. Quando o homem passou a ser mais que um simples ter e, por isso, não pôde continuar a ser um simples tido. Quando o homem passou a exigir um direito penal humanista, onde a definição dos crimes deixou de ser retroactiva, onde o processo proibiu a tortura, onde as penas cruéis foram abolidas e a própria pena de morte começou a ser posta em causa. Quando os homens começaram a ser humanos, pensados à imagem e semelhança de um Deus em figura humana.
Até porque importa recordar, conforme as palavras de Battaglia, que não existe nenhuma grande conquista da humanidade no sentido da liberdade e do progresso, que se não ligue ao nome de um filósofo do direito.
Da extinção da escravatura à abolição da pena de morte, da igualdade de oportunidades entre pessoas de sexo ou etnias diferentes, à aplicabilidade política de um conceito de cidadania activa – com uma igualdade entendida não apenas como igualdade da lei ou perante a lei, mas antes como igualdade pela lei, isto é, como igualdade de oportunidades, como igualdade perspectivada com o sal da liberdade, da justiça e da solidariedade –, é todo um secular processo de luta pelo direito como dever-ser que, muitas vezes, tem de assumir-se contra o direito que está posto na cidade.
Como salienta Metz, a dinâmica essencial da História é a memória do sofrimento, como consciência negativa de liberdade futura e como estimulante para agir, no horizonte desta liberdade, de modo a superar o sofrimento. Uma memória do sofrimento que força a olhar para o “theatrum mundi” não só a partir do ponto de vista dos bem-sucedidos e arrivistas mas também do ponto de vista dos vencidos e das vítimas.
Determinar qual o além do direito tem sido, aliás, constante tarefa dos que pensam o direito. Desse direito, conforme a definição de lei dada por São Tomás de Aquino, como uma ordem elaborada pela razão tendo em vista o bem comum e promulgada por aquele que tem o encargo da comunidade. Dessa lei que, conforme Montesquieu, tem de ser a razão humana enquanto governa todos os povos da terra. Desse direito que se é verdade além dos Pirinéus não pode ser mentira aquém ou além de qualquer barreira geográfica ou mítica.
Somos portugueses, pensamo‑nos portugueses, ensimesmando uma história que também foi precoce na consideração do homem como sujeito, no sentido vincadamente existencial de dono do seu próprio corpo, tanto na abolição da escravatura como na abolição da pena de morte.
Por mim, quero retomar o estoicismo romano de Cícero, para quem, das leis, todos somos escravos, para que possamos ser livres (legibus omnes servi sumus, ut liberi esse possimus). Para bons compreendedores, meias palavras bastam. Releiam os trabalhos de Eduardo Correia e Guilherme Braga da Cruz, no centenário da abolição. Ambos sabiam que a nossa tradição humanista sempre juntou o humanismo laico ao humanismo cristão. E não consta que o segundo, consolidado católico tradicionalista, tenha saneado da história o patriotismo iluminista, o patriotismo liberal e o patriotismo republicano. Nem todos os que não seguem a sacristia têm de ser da cavalariça."
posted by JAM

"O Um livro por Abrir
por Rafael Castela Santos
Comprei recentemente um livro sobre Murillo, o grande pintor da Santíssima Virgem Maria. Está ali, por abrir. Olha-me a partir da prateleira ao mesmo tempo que da minha cama eu o contemplo enquanto escrevo no meu portátil. Em boa verdade ainda não tive muito tempo para o apreciar. Quando o comprei sabia já que era um bom livro. Um grande amigo e excelente bibliófilo em quem deposito toda a confiança, tinha-mo recomendado. Desde que ali o coloquei tenho reparado na sua sobrecapa branca em papel couché. Na lombada, as letras do título são delicadas. Segundo me asseguraram, o texto sobre Murillo é excelente. Analisa mesmo a época em que este viveu tanto do ponto de vista histórico como do das ideias. Ainda não o li mas sei que é assim. A qualidade das litografias é impressionante. Da minha cama não as posso ver, mas já sei que me vou deliciar a apreciá-las assim que puder. Até sei que tem datas cronológicas e inclusive diagramas de alguns dos seus quadros, com a explicação de certas técnicas pictóricas. Também daqui os não posso ver mas positivamente sei que estão ali. Não deixa de ser um livro pelo facto de eu ainda o não ter aberto, por não estar neste momento nas minhas mãos, pelo facto de ainda não o ter lido. É e será sempre um livro. Inclusive, um excelente livro a partir do momento em que o seu autor o concebeu. Um grande livro. Mesmo que ainda não esteja aberto.

Um homem e uma mulher fizeram amor. Um óvulo recebeu um espermatozóide entre milhões, apenas um. E pelo milagre da fecundação essas duas células transformam-se num ser humano. Porque no momento em que essas duas células (óvulo e espermatozóide), cada uma com 23 cromossomas, se unem e se transformam numa única célula de 46 cromossomas, existe já um ser humano. Com a sua estatura, a cor do seu cabelo e dos seus olhos. Mesmo que ainda se não veja. A sua vulnerabilidade a certas doenças. Mesmo que ainda as não tenha sofrido. O seu coeficiente intelectual. Mesmo que ainda não saiba uma só palavra. O seu metabolismo e a totalidade da sua bioquímica. Embora dependa ainda e completamente do metabolismo da sua mãe. Inclusive, uma percentagem significativa da sua personalidade está codificada nesses genes. Mesmo que não tenha dito sequer uma única palavra. Nesse livro por abrir do ADN reconhecem-se todos estes dados e instruções. E muitos milhões mais. Estão aí todas as características de um novo ser humano. Todas estão aí, mesmo que ainda não tenham sido "lidas".

Ao contrário do meu livro por abrir do qual existem algumas centenas ou milhares de cópias idênticas, esta nova pessoa (literalmente recém concebida) é única. Não há nem haverá outra como ela em toda a história da humanidade, por mais que esta se prolongue.

Se aceitamos que o meu livro por abrir é um livro, como é que alguns se negam a reconhecer que esse novo ser humano é um ser humano pelo simples facto de ainda não ter sido "lido", de não se ver, de não ter crescido, de não ter atingido todo o seu potencial - que já se encontra neste óvulo fecundado - acto, para empregar a terminologia aristotélica?

Será menos pessoa ou deixa mesmo de o ser por estar ainda fechada, apenas fechada no ventre de sua mãe? Mas o meu livro não deixa de ser um livro pelo facto de ainda estar fechado e colocado numa estante.

Esta pessoa é uma pessoa desde o exacto momento em que foi concebida. Nem um segundo antes nem um segundo depois.

E, graças ao que ficou dito, esta nova pessoa tem liberdade. Liberdade para escolher. Liberdade para optar pelo bem e pelo mal. Liberdade para fazer o bem ou para seguir outro caminho.
Ai Já me esquecia! Desde o instante da sua concepção essa pessoa tem uma Alma eterna. Mas essa já é uma outra história: a história de um livro aberto com as páginas em branco por escrever."
E, mais adiante neste mesmo sítio, podemos ler este excelente exercício de retórica:
"O que não se fala no referendo
por Manuel Azinhal
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

É frequente numa discussão acabar por esquecer-se o ponto de partida.Assim acontece notoriamente no caso do referendo que se anuncia, em que o debate geralmente se afasta do teor exacto da pergunta que é colocada à votação, e foge das consequências das respostas possíveis.

Normalmente discute-se o aborto, em abstracto, no registo "eu acho que", perdendo-se a noção de que o referendo incide sobre uma pergunta em concreto, da qual deverão em princípio decorrer consequências legislativas.

Imagine-se a resposta sim.
Os que prontamente declaram querer votar sim (isto é, que concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado) admitem que a sua resposta signifique concordância com a penalização do acto quando praticado fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado? E são pela penalização do acto quando praticado após as primeiras dez semanas?A lei penal deve portanto manter a pena para a interrupção voluntária da gravidez que seja realizada após as primeiras dez semanas e/ou fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado?É o que resulta iniludivelmente da interpretação a contrario da pergunta em análise...

Pelo que lhes ouço, creio sinceramente que não é este o significado que dão ao sim os mais empenhados defensores dessa opção.

Porém, é essa a pergunta que é colocada a todos os votantes. E, tal como está, verificando qual o sentido mais comum que o mais comum dos falantes do português pode extrair da fórmula, não há dúvida que ao perguntar pela concordância para uma despenalização em certas condições dadas está a pressupor-se a estabilidade da penalização para os casos que se situem fora desse âmbito restrito.

Ora sendo assim é legítimo concluir que a pergunta referendada pode distorcer os resultados da votação, no sentido de facilitar a resposta sim.

Bastava que a pergunta apresentasse claramente o verso e o reverso para os resultados serem bem diferentes.

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, mantendo-se a penalização qundo não se verifiquem tais requisitos?"Nesta formulação o sim significava inequivocamente concordância com a punição da interrupção voluntária da gravidez realizada ou para além das dez primeiras semanas, ou fora de estabelecimento legalmente autorizado. Mas quantos dos entusiastas do sim continuariam a manter a sua resposta?

Se a minha observação está correcta, o resultado sim parece conduzir a um impasse político. Com efeito, a legislação ordinária que deverá conformar-se com o que resulta da pergunta aprovada não satisfará os mais ardentes partidários do “sim”. Só pode estar de acordo com a perspectiva dos que votarão “sim” convencidos de que estão a dizer “sim” apenas ao que está expresso, e que votariam “não” se lhes fosse posta a questão em termos de o seu “sim” implicar também concordância com o que ali não está.

Como é fácil de calcular, se vier a acontecer essa conformidade legislativa com o sim que é referendado (continuarão então a ser julgados e punidos todos os abortos clandestinos, que serão todos os praticados fora dos tais estabelecimentos autorizados e todos os efectuados para além das dez primeiras semanas) nada se modificará na actuação política dos actuais combatentes pelo sim.

Eles não aceitarão que "as mulheres sejam julgadas", que a "interrupção voluntária da gravidez" seja punível, seja o acto praticado onde for e seja qual for o tempo de gestação do feto.

O que vale por dizer que a luta vai continuar. Indefinidamente.
Teria sido bom que quem se pronunciou pela clareza e constitucionalidade da pergunta tivesse prevenido estes aspectos, que não me parecem dispiciendos.

Para não maçar, desisto de entrar pelas questões relacionadas com a protecção da vida imposta pelo art. 24º da CRP e o futuro estatuto jurídico do embrião. Na verdade, se não existir protecção penal para o embrião (até às dez semanas de vida estará inteiramente na disponibilidade da progenitora, que o poderá destruir por simples acto de vontade, independentemente de qualquer causa ou justificação), e não for estabelecida outra qualquer forma de tutela jurídica desses bens (presumo que bens jurídicos ainda serão), qual será então a sua natureza jurídica? Coisas? E se forem coisas, devem considerar-se in comercium ou extra comercium? Repare-se que esta distinção teórica de res extra comercium ou res in comercium se revestirá da maior relevância prática, já que como se sabe existem interesses económicos na utilização dos embriões.

E como se irá harmonizar a legislação acerca dos embriões produzidos laboratorialmente, segundo técnicas de reprodução artificial, v. g. fruto de fertilização in vitro ou clonagem, com a situação jurídica dos embriões gerados naturalmente? Acontecerá que uns gozarão de protecção jurídica e outros não?São muitas perplexidades para upoucas respostas.

Como procurei demonstrar, ao referendo anunciado suceder-se-á uma situação curiosa: caso vença o não começarão de imediato a desenvolver-se os esforços para que o sim prevaleça por qualquer outro modo, v. g. por via legislativa, ou se for preciso através de um outro referendo; e se o sim ganhar assistiremos aos mesmos esforços, agora para consagrar na lei ordinária soluções que sejam mais aceitáveis para os guerreiros do sim, porque a simples consagração legislativa do que consta da pergunta referendada não satisfaz de forma alguma os seus objectivos.

Não creio que tenha feito uma grande descoberta, e nem vejo que alguém, seja qual for a sua posição, vá contra este meu prognóstico.Estamos indubitavelmente perante uma guerra para continuar, e engana-se quem pensar o contrário.

Pense-se em que nenhuma das situações levadas a tribunal e que provocaram enormes campanhas dirigidas à opinião pública (Setúbal, Aveiro, Maia) teria destino diferente se estivesse em vigor o que a pergunta referendada sugere. Os casos referidos, que pela lei actual são crime, continuariam a sê-lo se estivesse consagrada a posição constante do referendo.

Não é conhecido nenhum exemplo que tenha sido submetido a julgamento (primeiras dez semanas???) e que fosse abrangido pela despenalização proposta na pergunta sujeita a referendo.O que mudaria então na atitude dos que se manifestaram na ocasião por todos os meios, desde as colunas de opinião às portas dos tribunais? Obviamente, nada.

Anoto ainda os equívocos, significativos, em que o debate continua a processar-se. Não me refiro já ao uso eufemístico da expressão "interrupção voluntária da gravidez" para fugir ao termo mais cru e verdadeiro, aborto. Estou a pensar por exemplo na insistência obsessiva em apresentar a norma penal como "perseguição às mulheres" (tem que se repetir com especial ênfase a palavra "mulheres"). A verdade é que a norma, como qualquer outra de estrutura semelhante, prevê um comportamento que define como crime e estabelece uma pena para o seu agente - abstraindo de quem possa ser esse agente. Pode ser mulher ou homem. Incorre no crime de aborto a mulher que de modo consciente e deliberado pratique aborto sem si própria, e incorre no mesmo crime o homem ou a mulher que o pratique em outrem. E recorde-se que pode ser punido como autor tanto o autor material (por exemplo o médico, o enfermeiro ou o prático que o faça) como o autor moral (aquele, por exemplo namorado, marido, amante, que determine outrem a realizá-lo). Penso que neste ponto me responderiam que sim senhor, assim é teoricamente mas na realidade só aparecem mulheres a responder por esse crime. Respondo que é verdadeira a observação, mas por um motivo completamente diferente do que estaria a pensar o meu imaginário interlocutor: a razão por que têm respondido nos tribunais portugueses por crime de aborto mais mulheres do que homens reside simplesmente no facto de entre nós quase não existirem enfermeiros-parteiros - só há enfermeiras-parteiras.

Abreviando, estou eu a querer dizer o seguinte: a previsão legal do crime de aborto serve para muito mais do que para perseguir mulheres grávidas. Serve essencialmente para perseguir por esta via quem faz negócio dessa prática. E que com a despenalização continuará no ramo, agora de porta aberta, ou passará a trabalhar nas clínicas espanholas. Fala-se só nas mulheres grávidas para esquecer o facto incómodo de os despenalizados serem fundamentalmente os outros (os que vivem disso, e os que levam a isso).

Queria deixar ainda uma nota quanto ao tremendismo das descrições do pretenso flagelo punitivo. Quem frequenta todos os dias tribunais sabe que é acontecimento raro um processo por crime de aborto. A esmagadora maioria dos advogados e dos magistrados portugueses nunca viu nenhum. Procure-se nas estatísticas e constate-se a insignificância. A despenalização vai resolver o quê, a não ser a impossibilidade legal de exploração comercial da actividade?Finalmente, uma observação que gostaria de poder desenvolver em futuro escrito. É sabido que a norma jurídica se caracteriza além do mais pela sua generalidade e abstracção. Tal implica que a construção normativa de um tipo criminal tem que ter como referência a conduta-regra a que se atribui desvalor jurídico, aquela que possa constituir o paradigma do que se pretende censurar penalmente, aquela a que se devem subsumir as concretas condutas humanas submetidas depois a apreciação e valoração. Não se pode edificar o direito penal tendo como referência circunstâncias excepcionais, desvios ao que é a conduta-padrão integrante do crime. A generalidade da norma é que terá que dar-lhe a flexibilidade necessária para dar resposta tanto ao que é a regra como aos seus desvios.

Todavia, na discussão sobre a incriminação do aborto, conduzida pelos defensores da despenalização e liberalização, o ponto de partida situa-se sempre em situações extremas. Apela-se ao dramalhão e à emoção fácil. Parte-se de perguntas que em geral contêm a própria resposta. "Então e se uma mulher se vir forçada a abortar por..." dá vontade de responder que se alguém foi forçado a algo então não pode haver crime porque não estamos perante uma acção voluntária. Em todo o caso, a técnica é sempre a mesma: atirar com situações que em rigor podem e devem ser tratadas a nível das causas de exclusão da culpa ou da ilicitude para atacar a própria norma incriminadora - que evidentemente não contende com os princípios gerais, ou as previsões específicas que existirem, respeitantes a exculpação ou legitimação.

A discussão está desse modo viciada logo nas premissas, e nada pode trazer de útil e esclarecedor.

Mas talvez a confusão seja mesmo intencional."

segunda-feira, janeiro 22, 2007

À espera do meu país

Por que não ter a coragem do sonho que faça acontecer, ainda outra vez, por ventura ainda melhor, este nosso Portugal de sempre?
Hei-de ser, cada vez mais, mais uma voz para cumprir aquele desígnio que a armilar eternizou para lá dos limites das consciências mortais, sem tempo para a pequenez dos egoismos!
Viva a cosmopolis e a cidadania universal, feita na infinita liberdade das diferenças de cada ser!

sábado, janeiro 20, 2007

Vous vous situez à gauche ...

Depois de ler mais um dos posts de meu mui citado mestre JAM (em nítido grande desabafo de um dos muitos enredos angustiantes desta polis pseudo-democrática), descubro-me a fazer mais um acto de contrição, mas daqueles que podem ser muito chocantes para aquela esquerditice ciumenta e antipluralista, que pintam o espectro luminoso de um absoluto cinzentismo progressista ...!? Visito, então, mais um sítio que me revela algo do meu posicionamento sócio-político, na perspectiva do espectro partidário do país a que se refere, a França (e aqui, confesso, as devidas correspondências partidárias revelam, preocupantemente, uma falta de relação entre o significante e o significado), e também chego a conclusões muito parecidas (vá-se lá saber porquê ...) às daquele meu Professor, certamente por razões não totalmente coincidentes com as suas - Eu, de esquerda, me confesso?... (Cito):
"Vous vous situez à gauche.
Les partis dont vous êtes le plus proche (dans l'ordre) :
1. Cap 21 (le mouvement de Corinne Lepage) mais, en règle générale, vous accordez plus d'importance au contexte dans lequel les gens évoluent (ou moins d'importance à leur responsabilité personnelle).
2. Génération Ecologie mais, en règle générale, vous accordez plus d'importance au contexte dans lequel les gens évoluent (ou moins d'importance à leur responsabilité personnelle).Le(s) parti(s) qui vien(nen)t ensuite :
3. le Parti Socialiste mais vous ne partagez pas toujours les mêmes opinions sur le rôle de l'Etat dans le domaine économique ou social.
4. l'UDF mais, en règle générale, vous accordez plus d'importance au contexte dans lequel les gens évoluent (ou moins d'importance à leur responsabilité personnelle).

Pour obtenir des explications sur ces résultats et sur les profils politiques de tous les partis :" (...)

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Ainda vale a pena ser professor?

Como não estou em sede de gestão dos silêncios, posso fazer minhas (com a devida vénia ao Educare.pt e à autora do respectivo artigo) as palavras desta colega, ainda que as considere uma crítica oportuna, construtiva e absolutamente pertinente mas em versão soft.
Porque também não quero adiantar mais nada, apenas me resta a consolação de ter mais este eco das situações que alguns dos ditos gostariam que me provocassem paranóia (e, admito-o, é difícil resistir a tais investidas da besta, que perfidamente tece a razão com que os poderes tutelares nos presenteiam sempre que pretendem melhorar a imagem do sistema inútil em que os primeiros mergularam a frustração de não serem Poder, apenas o contra-poder dos fracos e falhados, num imaginário de fantasias transportadas para a educação que eles nunca pretenderam democratizar ...):
"Com uma classe docente desvalorizada e maltratada, longe vão os tempos em que os professores "brilhavam" e em que a escola era considerada uma "fonte sagrada".
A escola é fonte sagrada
De sacrossanta bebida
Bebei todos desta fonte
Na primavera da vida
Nas Horas Vagas, Joaquim Moreira da Silva
Assim valorizava a escola e a profissão docente o poeta popular Joaquim Moreira da Silva, nascido em 1886 e falecido em 1960. Não tendo podido ir à escola em criança, por precisar de trabalhar desde pequeno, frequentou um curso nocturno aos 18 anos, após o que leu avidamente e adquiriu uma vasta e diversificada cultura. A leitura merecia-lhe uma grande admiração e proclamava que:
As letras do alfabeto
Sabendo nós compreendê-las
Dão-nos luz, muito mais luz
Do que todas as estrelas.
Nas Horas Vagas
Sobre os professores, que distinguia como profissionais de grande importância, afirmava que eles "Brilham à luz da razão".
Longe parece terem ficado os tempos em que aos professores era reconhecido grande mérito social. A desvalorização social da profissão docente tem vindo a agravar-se e o ano que recentemente terminou marcou fortemente a degradação da sua imagem.
Preguiça, incompetência, oportunismo, falta de profissionalismo, fuga ao trabalho são algumas das características que as mensagens provenientes do Ministério da Educação foram deixando passar para a opinião pública. Das várias ideias que foram lançadas ou reforçadas, retomarei duas: os professores trabalham poucas horas, os professores são os responsáveis pelo abandono escolar dos alunos. Deixarei de parte, por agora, a ideia gravíssima e incorrecta de que os professores são os únicos responsáveis pelo insucesso escolar.
Omitindo que os professores precisam de preparar as suas aulas, de estudar continuamente para aprofundar os seus conhecimentos da matéria que ensinam e de outras áreas fundamentais ao exercício da sua profissão, de corrigir trabalhos e de realizar um sem-número de outras tarefas fora das aulas, o Ministério da Educação foi reforçando a ideia, previamente existente na opinião pública, de que os professores trabalham pouco, limitando-se a "dar umas horitas" de aulas. Assim surgiram as aulas de substituição, bem mais desgastantes do que uma normal, no tempo de redução da componente lectiva que, devido à idade, ia sendo atribuída por reconhecimento do desgaste que a profissão acarreta. Assim se vão já levantando vozes sobre a ocupação dos professores nas interrupções lectivas do Natal, do Carnaval e da Páscoa (como se não estivessem sobejamente ocupados na preparação e realização de reuniões de avaliação e na preparação do período escolar seguinte).
Quanto às aulas de substituição, elas padecem de uma indefinição terminológica. Quando se fala com pais e encarregados de educação, trata-se efectivamente de aulas, para que saibam que os seus filhos estão ocupados com aulas sempre que estão na escola. Quando se fala com professores, não existem aulas de substituição que, por artes mágicas, se transformam em actividades de substituição, para poderem fazer parte da componente não lectiva. Não questiono as vantagens da ocupação plena dos alunos, mas tão-só a forma como ela se tem vindo a efectuar e a desvalorização da imagem dos professores - pouco trabalhadores - que ela traz implícita.
Quanto ao abandono escolar, a responsabilidade exclusiva dos professores neste grave problema é afirmada pelo Ministério da Educação ao apontá-lo como critério a ter em conta na avaliação dos docentes. A minha experiência mostra-me que o facto de o abandono escolar não ser maior deve-se à intervenção de professores e de outros profissionais, como, por exemplo, os psicólogos escolares, que ultrapassam as suas funções e desdobram-se em esforços para conseguirem levar muitos alunos à escola, realizando, por vezes, verdadeiros "milagres". Deparam-se esses profissionais com famílias completamente desestruturadas pela miséria, pelo desemprego, pela doença, pela prisão de pais e/ou irmãos, pela droga e por outros flagelos e lutam contra a falta de apoios institucionais e sociais. Noutros países, existem medidas de apoio às famílias e os pais são responsabilizados pela assiduidade dos filhos, sendo tomadas medidas para que exerçam as suas funções parentais. No nosso país, essa responsabilidade sobra para os professores.
Estes são alguns dos aspectos da desvalorização da profissão docente que marcou o ano de 2007. Outros, bem mais graves, caracterizam o estatuto da carreira docente que o Ministério da Educação aprovou solitariamente, contra todos os sindicatos e contra os milhares de professores que se manifestaram das mais diversas formas. O ano de 2007 começa de uma forma nada auspiciosa para a educação em Portugal. Com uma classe docente desvalorizada e maltratada, longe vão os tempos em que os professores "brilhavam" e em que a escola era considerada uma "fonte sagrada".
Ainda vale a pena ser professor? Mesmo para quem gosta muito da profissão (como é o meu caso), vai sendo cada vez mais difícil conseguir encontrar argumentos positivos para colocar no prato "sim" da balança em contraponto aos sucessivos e rudes golpes que a profissão tem vindo a sofrer e que a fazem inclinar para o prato do "não". Por mim, ainda consigo incliná-la para o "sim", mas... por quanto tempo?"
Por Armanda Zenhas 2007-01-03, retirado do Portal da Educação

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Mensagem

Corroboro,inteiramente, a essência da "mensagem de ano novo" de mestre JAM, que infelizmente não é única. Depois da sua, encontrei a que se segue do ano transacto, e que muito espelha, reveladoramente para mim, o fundo probatário daquele enredo que alguns gostariam que eu apenas considerasse paranóia minha!
"Contra a intolerância, o fanatismo e a ignorância
O meu primeiro postal de 2007 começa triste, embora não tenha ouvido ou lido as mensagens ditas de natal ano novo de Cavaco, sem "dom", e de Policarpo, ainda com "D.". Bastaram-me as palavras do supremo bispo de Roma e o borbulhar dos fanáticos dos movimentos ditos pelo "sim" e pelo "não", para saber que não tenho lugar neste debate. Porque vou votar "sim", pensando e praticando, dentro de mim, aquilo que proclamam, por fora e para fora, os propagandistas do "não".
Quando o supremo general universal das tropas do "não" me compara a um "terrorista", recobrindo-me com o adjectivo de "laicista", que integra o "eixo do mal", percebo como o estúpido binário maniqueísta pode entupir a propaganda da fé e quase me obrigam a recordar as histórias que me contou o Carlos Antunes, sobre os momentos genéticos do PRP, quando tudo estava preparado para que algumas freiras policárpicas assaltassem uns banquitos de massa, que não de capelinha do monte. Maniqueístas são também as "nãozonas" do "direito ao corpo" e do "politicamente correcto" feminista, aqui traduzido em calão.
Não haverá por aí nenhum publicitário esclarecido que traduza a verdade da maioria sociológica do meu povo? Alguém que ponha gente que é contra o aborto, mas que foi obrigada à interrupção voluntária da gravidez e que, com isso, continua a sofrer? Mas que, por causa disso, não quer que o Estado desperdice os seus escassos recursos penais, mantendo na lei o que nenhum agente punidor da mesma, em consciência, pratica? Porque mantendo uma lei distanciada da vida, estamos a destruir os fundamentos do próprio Estado de Direito.
Porque, fingindo que temos uma lei dependente da nossa restrita soberania, estamos a esquecer que não há fronteiras no espaço de 500 milhões de pessoas do espaço da União Europeia e que é difícil darmos saltos de Schengen da soberania portuguesa para a soberania da Irlanda e desta para a soberania da Polónia, até porque o Estado do Vaticano não faz parte deste grande espaço. De outra maneira, para respeitarmos este valor supremo, lá teremos que obrigar todas as mulheres que passem a nossa Direcção-geral das Alfândegas a fazer um simples teste de gravidez...
Maniqueísmo por maniqueísmo, apenas quero comunicar aos mandadores e "mails" insultuosos que me deixem em paz. Vossos insultos pela manifestação da minha liberdade de votar "sim" à pergunta recente sobre a "IVG", coisa que tenho coerentemente manifestado, até neste blogue, desde que votei "sim" no anterior referendo, são equivalentes ao inverso, mas igualmente insultuoso, epíteto de sinal contrário que tenho recebido.
Ainda noutro dia me contavam que um ministro de Salazar, ainda vivo, dizia a ministros actuais que eu era um perigoso "fascista". Curiosamente, esse mesmo ministro salazarento do mesmo Salazar, chegou comunicar a um presidente da república anterior, que eu era um mais perigoso membro do "Opus Dei". Sei agora que alguns serviçais das multicárpicas seitas me colam qualificativos de idêntico ódio, quando me põem ao serviço de forças ocultas que citam Marco Aurélio, Erasmo e Kant e militante das ideias que levaram à abolição da pena de morte em 1867, só porque sigo as ideias anticlericais do meu mestre que se assumiu contra o milagre de Ourique, mas que, nem por isso, advoga a expulsão das quinas do nosso símbolo nacional.
Por esta e por outras é que tenho andado a estudar os evangelhos de Judas. Para confirmar a distância que vai do esotérico ao exotérico e para compreender que os verdadeiros mestres são os que falam de um deus íntimo que está no supremo segredo da nossa autonomia. Coisa que escapa aos que pensam que a verdade apenas se atinge pela pertença ao rebanho de uma qualquer seita ou ao exibicionismo do falso esotérico. Apenas desejo ano novo para tudo poder nascer de novo, contra a intolerância, o fanatismo e a ignorância.
posted by JAM 1/02/2007
"É preciso denunciar terrorismo psicológico a professores
É preciso denunciar terrorismo psicológico a professores. Passa-se em Vila Nova de Paiva, na Escola Secundária, pela mão do presidente do conselho directivo - Fernando Eduardo Braz. Há professores nesta escola que são vítimas de autêntico terrorismo psicológico, são coagidos emocionalmente, são ameaçados na sua dignidade profissional, pessoal e na sua liberdade de expressão, pelo simples facto de se manifestarem contra os métodos de trabalho do presidente do conselho directivo. Métodos de gestão autocráticos, anti-pedagógicos e da mais pura anti-ética profissional, contra a missão da escola, contra os alunos, contra a educação, e fundamentalmente contra os professores que, se preocupam e se interessam e se envolvem e o confrontam com a sua incompetência.
Estes professores são vilmente perseguidos por este indivíduo - fernando eduardo braz - e pelos lacaios que criteriosamente seleccionou ao seu serviço. Estes professores são arbitrariamente penalizados até conseguirem colocá-los fora da escola, para que não incomodem, ou até adecerem, vítimas da agressividade emocional a que são submetidos diariamente.
Muitos destes professores conseguiram mudar de quadro escola, já conseguem trabalhar com alguma serenidade, mas ainda hoje se calam com medo, a grande maioria não tendo hipótese de mudar, ou alinha ou é submetido à penalização de não o fazer. São expressamente convidados a "ficar calados para seu bem" sob a pena de serem tramados, são coagidos a omitir informação de documentos de trabalho, caso contrário são perseguidos e humilhados até à exaustão emocional e fisica.
A DREC tem conhecimento, alguns foram mesmo denunciar a situação, Mas Não Faz Nada, remete o assunto para resolução interna. Diz-se que o indivíduo tem as costas Bem Quentes na DREC, e de facto, depois de tantos anos, histórias e estórias, depois de tanto esforço de quem por lá trabalha, não deve ter só as costas quentes, mas sim todo o corpo a ferver de aquecido.
Quando tanto se fala de Chqoe Tecnológico, a Ignorância continua a ser para nós, portugueses, o mais certo dos choques.
Neste mísero País, a incompetência é princepescamente recompensada, os ignorantes tidos ao mais alto nível do poder, e a competência e honestidade vilmente repudiadas. A questão é: quem foi formado no respeito pelo próximo, na boa moral e bons costumes, no respeito pela ética profissional, Como È Que Consegue Viver Nesta Espelunca????????????????????????Eu não sou professora, mas muito do que sei e do que sou devo-o aos professores que encontrei na minha caminhada, homens e mulheres extraordinários como poucos, que pautaram e coloriram a minha vida de saberes e de viveres e nortearam alguns dos meus passos. Hoje ainda aprendo, tenho 42 anos, neste processo de ensino-partilha-aprendizagem que é a vida e a ciência e não posso deixar de elevar a minha voz de indignação com o que se passa nesta escola. Isto passa-se com professsores que se interessam, que se envolvem, que respeitam os alunos, que trabalham 8 horas por dia na escola e outras 8 horas por dia em casa, a preparar aulas, a fazer frequências, a corrigir trabalhos, a desenvolver estratégias motivacionais para alunos, e ainda arranjam tempo para pensar no que fazer com aquele aluno que passa fome, com o que come sopas de cavalo cansado ao pequeno-almoço, com aquele que não tem livros para estudar e com o outro que é agredido fisicamente pelo pai. É Preciso Denunciar Este Vilão. É Preciso Fazer Alguma Coisa.
Autor: luisa figueiredo <artes-e-letras@hotmail.com>
Data: 18-11-2006"
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