domingo, julho 02, 2006

Cogitadelas 16

"Que Saudades do Futuro"
Lembro muito. Lembro, como o compositor da letra desta muito popular música, que há sempre sonhos fiéis aos nossos horizontes de vida, quando a apreendemos em valores tão seguros que, por mais voltas, precalços ou meandros por que ela passe, nada faz esbater aqueles sonhos que são os nossos ideais. Tal é a marca deixada pela ânsia de poder qualquer dia, um dia, se possível não muito longe, contemplar a felicidade que atingem os homens como recompensa pelo empenho nas lutas em que acreditam.
E depois ... também há, entre muitas outras peripécias que a vida traz e leva, entre alegrias e tristezas, entre o muito e o pouco, ... também há a desilusão e o descrédito. Não é neste espaço vácuo, nesse grande vazio de vida onde impera uma inevitável anomia, que eu espero reencontrar um antigo companheiro das lutas levadas a peito pela geração daquele lindo período (do "desabrochar da flor") como a que a nossa passou, no nascer da década de 1970, quando na nossa adolescência vivemos, de corpo e alma, a plena esperança da tansformação social por todos assumida.
Não. Nesse vazio não! Já tenho visto nalguns programas televisivos esse antigo companheiro que é o António Costa Pinto (o "Tony"), que já evoquei quando o meu mui citado mestre JA Maltez se lembrou de assinalar, em efeméride 'postada', a morte do César de Oliveira, também companheiro académico do António. Eu próprio revi os dois na apresentação da dissertação de doutoramento em História dos Factos Sociais do César, na Sala Magna do 'meu' ISCSP, e já tinham passado, depois de 1972, mais de quinze anos em que não vi o António ... . Após um breve cumprimento, pelas felicitações que todos davam ao César (envolto em lágrimas de tão incontida emoção) pela brilhante tese ali defendida, não tornei a ver mais um destes meus companheiros de então ... (como me lembro das reuniões inter-associações estudantis, em profunda clandestinidade subversiva 'contra a ordem da nação', das noites de trabalho redactorial na AEIST com o Rui Gomes, o "Espadinha", o "Laranjinha", entre outros dos elementos da direcção do MAEESL, aquele movimento estudantil que muito marcou a história das lutas anti-regime vividas nas escolas, no início dos anos 70).
Vejo agora, em mais uma das minhas visitações pela imprensa nacional, que o Dr. António da Costa Pinto, distinto Professor universitário, também escreve no DN. Espero 'encontrá-lo' em algumas das suas publicações. Porque me lembro de um companheiro que, para além de ser, hoje, docente como eu também sou, ou de ter sido, ontem, um aliado nas tentativas de concretização de sonhos que ainda hoje não são, infelizmente, realidade, lembro-me de uma pessoa característicamente moderada em temperamento, suave no trato com os seus mais próximos, esguio na atenção às 'derrapagens' a que na altura todos estávamos sujeitos, enfim, um ser, pelo menos aparentemente, com uma persistente calma de espírito, como ainda hoje parece transparecer na sua postura mediatizada.
É bom rever-te, Tony, e vou estar atento às tuas 'tiradas', de que agora trato nesta minha "Cogitadela". A propósito, espero ler o livro que aqui sugeres para as férias, mas não te prometo que não irei estar atento às incursões dos tanques israelitas em Gaza. Não! Isso, só ... enquanto estiver a 'dormir'!
Então, aqui vai a primeira tirada do DN de Sábado, 1 de Julho de 2006:
António Costa Pinto
Professor universitário
acpinto53@hotmail.com
"Democratas
De vez em quando, a exagerada propensão para o debate gera antagonismos curiosos. Uma explicação pare eles é o clássico problema da notoriedade mediática: se não radicalizares, ninguém te liga nenhuma. Os meios de comunicação social, sobretudo a televisão, gostam da clareza antagónica e, na falta do especialista do tema, surgem os excitados de serviço que apelam imediatamente à fogueira redentora. A cada documentário com alunos a desrespeitar os professores ou um deputado a dormir no Parlamento, uma pequena plateia de comentadores apela à prisão dos menores ou à dissolução. Para quem está em casa e sabe alguma coisa do que vê, a sensação é de desrespeito mínimo pela regra de estudar primeiro e falar depois, sobretudo quando muitos deles utilizam com arma de arremesso o passado, onde quase tudo seria melhor. Um debate que às vezes confunde mais do que esclarece é o de quem era democrata nos anos finais da Ditadura e durante os anos quentes da nossa transição. Seriam os comunistas democratas no final dos anos 60 em Portugal? E o prof. Freitas do Amaral e os fundadores do CDS? Nos últimos tempos, até o PS do dr. Mário Soares não defenderia a democracia, porque era socialista. O debate faz pouco sentido, pois a grande maioria das democracias são produto de elites, instituições e cidadãos, por vezes longe de expressar esses valores que tantos prezam hoje. Alguns partidos comunistas da Europa do Leste reconverteram-se à democracia, com sucesso, e poucos se atreverão a dizer que a elite franquista era constituída por genuínos democratas. Se a História fosse assim tão fácil, desaparecia uma profissão consagrada. O aparecimento da chamada "ala liberal" com o marcelismo protagonizou a emergência de uma "semioposição" que caminhou rapidamente para um programa político democrático sob a direcção de Sá Carneiro. A rápida exclusão desta por Marcello Caetano e o 25 de Abril acabou por ser uma conjuntura feliz. Pelo menos aqui existia um pequeno núcleo de centro-direita com legitimidade democrática. É esta a história que nos conta Tiago Fernandes no seu livro, Nem Ditadura, nem Revolução (D. Quixote, 2006). Se já está de férias e não quer passar a vida a ver a desgraça dos tanques israelitas de volta a Gaza, aproveite para ler."