quarta-feira, julho 12, 2006

Opinião ... de Outros Sítios

Que pode muito bem vir de qualquer sessão da Assembleia da República, onde se vê que a blogosfera já faz doutrina ...
Como de costume, arranco o carro com a TSF ligada (por defeito). E ... Pires de Lima para cá, Nuno Melo para lá, Ana Drago para cá (até gostei de ouvir todas estas intervenções), e ... sai-se Jerónimo de Sousa com esta, a meu ver com pertinência, relativamente ao 'affaire' Opel e 'dossier' governamental GM: "... deixamos que esses investidores estrangeiros se comportem como autènticos beduínos, que, quando já não têm o que querem nos seus horizontes, levantam a tenda e vão-se embora ..." - embora entre aspas, a citação é do conteúdo e não literal.
Bom ... chegado a casa vim ver, na blogosfera, algo sobre beduínos (sim, que esta coisa de falarmos de comportamentos ou padrões culturais diferentes dos nossos tem de ser tratada, sempre, com as devidas ressalvas, a bem do respeito pelas diferenças). E que encontrei? Esta, tirada do "Semiramis", num post de 25 de Janeiro deste ano:
janeiro 25, 2006
"OS BEDUÍNOS E OS CAMELOS
Os beduínos têm uma característica interessante. Vagueiam pelo deserto na companhia de cáfilas de camelos remoendo cardos, de beiços descaídos e baba pendente, bamboleando as suas corcovas ao ritmo das suas melopeias. Quando arribam a algum oásis prometedor, esticam as suas tendas sobre estacas de madeira, num acampamento fácil de montar e desmontar. Lá dentro estendem um tapete grosso no chão, onde ficam as selas de camelo, as cordas e as gamelas com água. E depois, recolhidos nas tendas, à luz bruxuleante de lamparinas, fazem os seus negócios com os íncolas, que os haviam acolhido com promessas de fartas transacções. Quando vêem que a colheita das tâmaras não é suficiente, que as cabras estão a ficar escanzeladas, sem dar leite nem carne, e que os poços estão em vias de secar, arrancam as estacas, dobram as tendas, enfileiram os camelos e voltam a internar-se no deserto em busca de outro oásis.
O Governo tem vindo a tentar empolgar a opinião pública com anúncios repetidos de novos investimentos estrangeiros. O frenesim comunicativo do Governo não encontra paralelo no carácter estruturante desses investimentos. A parte que se refere a investimento industrial é muito reduzida. São mais as vozes que as nozes. O Governo tem conseguido esses investimentos mercê dos incentivos, principalmente fiscais, que oferece ao investimento directo estrangeiro. Todavia, não faz o restante trabalho de casa: liquidar a burocracia paralisante da administração pública, pôr a justiça a funcionar e criar um sistema fiscal que não exija uma dualidade de critérios: ónus pesados para os íncolas, facilidades para os beduínos recém chegados.
Ao não fazer esse trabalho de casa o Governo verá (este ou um qualquer no futuro), quando a colheita das tâmaras escassear, as cabras ficarem escanzeladas, sem leite nem carne, e os poços estiverem em vias de secar, que os beduínos arrancarão as estacas, dobrarão as tendas, porão a cáfila em ordem de marcha e voltarão a internar-se no deserto em busca de outro oásis mais prometedor, entoando versículos corânicos.
Das multinacionais dos têxteis e do calçado que se instalaram entre nós no último quarto de século, quantas ainda não desmontaram a tenda? Quantas novenas Sócrates, Pinho e mais ministros não dirigiram à padroeira do país suplicando que a questão da Autoeuropa se resolvesse sem a debandada dos beduínos? Quanto sufoco vive o país sempre que se levanta a hipótese de mais uma deslocalização de alguma empresa relevante para a nossa economia?
Portugal precisa de investimento directo estrangeiro, mas também precisa de o manter cá. E para o manter cá precisa de criar uma ambiente económico favorável ao funcionamento das empresas, portuguesas ou estrangeiras.
Se não o fizer, acontece-lhe o mesmo que aos oásis perdidos na imensidão do deserto – assiste à debandada dos beduínos. Com uma pequena diferença: com tantas idas e vindas de beduínos, os camelos acabaram por ficar cá – somos nós!"