Que há gravidade, lá isso há. Mas por parte de quem? Eis um caso em que muito dificilmente se poderá colocar a tese da ambivalência, pois onde reside uma das hipóteses não há espaço de coexistência com a outra. Daí que ... ou insulto, ou delação! O que, em qualquer uma das hipóteses, será sempre grave!
E que, daqui, possa resultar alguma pedagogia do comportamento institucional, em ambos os sentidos fluentes na verticalidade da pirâmide hierárquica do poder administrativo: fiscalizem-se os excessos de uns, mas através dos mecanismos de controle institucional de todos.
Pois, o que acontece quando as críticas recaem sobre aqueles que têm o dever de zelar pela disciplina institucional? Até onde nos está garantido o direito de isenção dos titulares de cargos com essas competências, quando eles próprios são o objecto de crítica?
Ou, do outro lado da 'medalha', até onde se estende o horizonte de liberdade de expressão crítica (e atenção à subtiliza da figura da crítica pessoal, a fortriori relativa a pessoas que exercem funções de alto relêvo institucional), de modo a podermos tolerar, com suficiente segurança, que se trata apenas do exercício de um direito, e não de um abuso de expressão (com eventuais dolos traduzidos nas ofensas pessoais)?
Eis mais um dilema social e politicamente interessante, não por mero exercício de reflexão, mas por uma imperiosa necessidade de definição clara dos horizontes de exercício de cidadania. Com especial relêvo, e destaco-o do artigo que daqui transcrevo, para o penúltimo parágrafo. Mais, ... não posso e ... não quero dizer! Estousujeito ao esmo regime de direito e ... deveres públicos! A República paga-me para isso!
"Provedor de Justiça pede esclarecimentos
O processo disciplinar instaurado a um funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte por este ter feito um comentário sobre a licenciatura do primeiro-ministro levou o Provedor de Justiça a solicitar esclarecimentos.
"Na sequência de um processo disciplinar que, de acordo com notícias veiculadas pela comunicação social, foi instaurado a um funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), o Provedor de Justiça solicitou à Directora Regional de Educação do Norte que lhe sejam remetidos os comentários que esta queira fazer para boa elucidação do caso", informa um comunicado da Provedoria da Justiça.
A mesma nota adianta que foi também solicitada "a cópia da proposta e despacho que terão determinado a suspensão preventiva do mesmo funcionário".
O professor de Inglês Fernando Charrua, que trabalhava há quase 20 anos na DREN, foi suspenso de funções depois de ter feito um comentário ao caso da licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente, durante uma conversa com um colega, dentro do seu gabinete.
Em declarações ao jornal Público no sábado, a directora regional classificou o comentário de "insulto" e justificou a suspensão e a abertura do processo disciplinar alegando tratar-se de uma situação "extremamente grave e inaceitável".
"Uma coisa é um comentário ou uma anedota, outra coisa é um insulto. Não tomei a decisão de ânimo leve", afirmou Margarida Moreira, adiantando que "o inquérito será justo" e que o professor será ressarcido, caso se prove a sua inocência neste caso.
O docente em causa, que já foi deputado pelo PSD, interpôs uma providência cautelar para contestar a suspensão, mas o ME pôs fim à sua requisição de funções na Direcção Regional antes de ser conhecida a decisão judicial, pelo que o docente acabou por regressar à escola secundária do Porto, a que estava afecto.
Numa carta dirigida aos colegas, o professor Fernando Charrua critica duramente a decisão da DREN, considerando estar em causa o valor da democracia.
"Se a moda pega, instigada que está a delação, poderemos ter, a breve trecho, uns milhares de docentes presos políticos e outros tantos de boca calada e de consciência aprisionada, a tentar ensinar aos nossos alunos os valores da democracia, da tolerância, do pluralismo, dos direitos, liberdade e garantias e de outras coisas que, de tão remotas, já nem sabemos o real significado, perante a prática que nos rodeia", escreve.
Embora o CDS-PP e o PSD tenham exigido esclarecimentos ao Governo sobre este caso, através de dois requerimentos entregues no Parlamento, o secretário de Estado Adjunto da Educação, Jorge Pedreira, adiantou ontem que a tutela "não tem de esclarecer rigorosamente nada" sobre este o caso."