Continuando, ainda, com Ortega y Gasset
Vejo, revejo-me, desvio-me e ... evito simplesmente! Mas não são muitos os temas da vida social que me provocam tantos reparos contraditórios, tal é a confusão gerada pela 'public opinion' formada pelos mecanismos do pensamento correcto, hoje (com mais rigor) já não tão "dominante", mas "homogeneizante", a atestar pela docilidade com que se angariam legitimidades fictícias e virtuais para as pseudo-institucionalizações da reforma dos costumes (?).
Gostei de ouvir o Dr. Garcia Pereira (podendo não concordar em tudo), com um sentido histórico-realista que já não me espanta, ao qualificar o oportunismo com que politicamente se tem apresentado o tema 'fracturante' do "casamento homossexual" e o seu 'derivado' da adopção pelos ditos "casais".
Por mim, apenas digo o que, no essencial, já testemunhei perante alguns dos interlocutores que, há dias, se prestaram a um diálogo aberto, profundo e rigoroso, daí que imparcial e desinteressado sobre este tema actual. Não subscrevo, por outro lado, algumas das teses 'constitucionalistas' da Drª Isabel Moreira, pois com isso se estará a circunscrever um direito natural apriorístico, logo anterior a qualquer constitucionalidade, aos preceitos nesta inscritos, por mais louvável e virtuosa que seja a sua estatuição de direitos aí fundamentais.
Não! Mais uma vez digo não, ao instrumentalizar-se novamente uma questão tão basicamente humana como esta para fins particularistas de eventuais políticas governativas. A questão é, em si mesma, apenas remissível ao bom senso comum a pessoas civilizadas, à sua adequação e integração na consciência cívica de cidadãos livres, e cuja importância não se pode medir pelo poder decretino (a favor ou contra) de quem não vê que, com isso, se usurpa o absoluto natural, que é o da suprema liberdade interior de cada indivíduo.
Remeto-me por isso, mais uma vez, ao que estou há já umas semanas a preparar da obra de Ortega y Gasset, em termos que em muito ultrapassam a esfera da mera recensão. Talvez (mas não só) pelo facto de muito se ter falado do termo "casamento"(1) (que eu acho ser um handicap para os defensores deste novo instituto, eventualmente preferindo aqui a proposta laranja ou, ainda melhor, uma qualquer outra que defina e se ajuste mais pertinentemente à realidade concreta que se pretende defender). E pelo facto de, quer se trate de uma minoria ou não (?...), não se poder remeter a força de uma realidade natural ao poder das opiniões, dos gostos ou ao poder dos decretos:
"(...) A tendência dos homens, quer como soberanos quer como concidadãos, a imporem aos outros como regra de conduta a sua opinião e os seus gostos, está tão energicamente sustentada por alguns dos melhores e alguns dos piores sentimentos inerentes à natureza humana que quase nunca se detém a não ser por lhe faltar poder."(2)
"(...) O latim vulgar está aí nos arquivos, qual petrefacto arrepiante, testemunho de que uma vez a história agonizou sob o império homogéneo da vulgaridade por ter desaparecido a fértil 'variedade de situações' ".(3)
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(1) Veja-se, por todos os sentidos inscritos nos significados do termo "casamento", o que pode ser antropologicamente entendido como abrangente e pertinente à sua discussão pública.
(2) Gasset, José Ortega y, Rebelião das Massas, Relógio d'Água, pág. 23, Lisboa (citando Stuart Mill, La Liberté).
(3) Idem, pág. 25.