sábado, setembro 23, 2006

Que ninguém me diga que é apolítico

Qualquer dia faço uma Sebenta de “Textos de Crítica” politológica.

Não posso deixar de alertar o meu mui citado mestre JAM da pertinência destes textos que por aqui e por outras bandas da imprensa nacional vou lendo com atenção, de forma a que a Escola que, por tradição já secular, se devota ao pensamento político em Portugal, tenha estas publicações em consideração, pelo devido respeito académico que merecem.
Não é caso para menos, com estes artigos de opinião. Eu cá tinha as minhas razões para me sentir intrigado com a transbordante pertinência dos conteúdos de algumas rubricas que uma meia dúzia de articulistas do Jornal de Negócios deixa sair da pena das suas mãos. E não me enganei. Penso que felizmente, pois todos devemos, certamente, beneficiar com isso, não apenas porque assistimos a uma exemplar manifestação de liberdade de expressão; ou tão somente porque lemos num jornal temático linhas de prosa que nos mostram realidades que ultrapassam a categoria dos temas de que deveriam tratar. Não.
Este Jornal é um grande exemplo do que qualquer órgão de comunicação social (seja ele público ou, mesmo, privado) deve cumprir, de forma a que a Comunicação Social se torne definitivamente, no nosso País, na instituição que assume a missão a que por natureza (social) está vinculada: a de ser o principal Observatório Social, veículo dos fluxos da informação pública multidireccionada (recebida e emitida, ascendente e descendente) que interessa à sociedade descodificar e gerir.

Só assim, entendo eu e muitos, todos participaremos (democraticamente) na organização (definição, edificação, manutenção, desenvolvimento e regulação) do sistema social a que, inevitavelmente, pertencemos. E, por isso, que ninguém me diga que é apolítico. Há dois milénios e meio que Aristóteles negou essa pretensão, sobretudo àqueles que, pelas mais variadas justificações, se alheiam e afastam da realidade a que nenhum de nós (cidadãos que reclamamos viver em sociedade e em democracia) pode fugir: a da polis. Porque esta implica e exige tudo isto a que acabei de me referir. A partir
deste artigo do J. Negócios:

Os revolucionários do Beato
Pedro S. Guerreiro
psg@mediafin.pt

O Compromisso Portugal apresentou ontem várias propostas, muitas delas boas, outras que deviam ser Lei, algumas irrelevantes, poucas que não prestam e várias irrealizáveis.

É uma elite empresarial que é e será sempre acusada de querer trampolim para chegar ao poder governativo, de se afirmar como grupo de pressão com interesses próprios.

Podemos sempre suspeitar das motivações empresariais, políticas ou egocêntricas dos promotores; podemos sempre perguntar o que estão a fazer esta manhã pelo País aqueles que ontem à noite se deitaram com a boa consciência de terem cumprido o seu dever cívico; podemos sempre criticar quem propõe utopias mas jamais as testará – o programa eleitoral mais fácil de fazer é o do partido que sabe que não vai governar. Podemos sempre fazer isto tudo. Mas também podemos deixar a idade do armário e olhar para o que fica do Compromisso deste ano. Sem complacência, com exigência.

Quando Carrapatoso se declara revolucionário e contra os reaccionários, está (propositadamente?) a convocar a discussão em torno da acusação mais consistente feita ao Compromisso Portugal: a de que é um movimento que apresenta as suas propostas como não ideológicas mas que tem uma ideologia latente, mesmo escondida – a tecnocracia; a tese de que o País fica melhor entregue a gestores; o mito da solução única, que é a tecnicamente mais adequada. Como nas empresas.

É por isso que o poder político não comparece ao "rendez-vous" no Beato. Não quer valorizar. Não quer ver Carrapatosos, Mexias, Borges e Relvas a enfileirarem conquistas nos seus terrenos. Porque uma sociedade só percebe soluções técnicas se forem explicitadas ideologicamente, porque um Governo não é uma empresa, porque a despolitização dos assuntos distancia as pessoas, porque a glória de um movimento da sociedade civil é a desnecessidade dos partidos políticos – e são os partidos que interpretam a realidade. Ao invés, os tecnocratas do Compromisso Portugal falavam ontem do País com a mesma linguagem com que falam das empresas: a que aprenderam nos MBA. Posicionamento estratégico. Vantagens competitivas. Quotas de mercado. Nichos. Estratégia de competitividade.

O Compromisso Portugal nasceu como um contra-movimento a outro grupo de empresários, que assinou o "Manifesto dos 40" pedindo a defesa dos centros de decisão nacional. Os proteccionistas despertaram os liberais e estes venceram-nos. Esta é a nova geração, que já cresceu em democracia e sucede aos empresários que se zangaram com o País em 1975. Por isso, não tem contas a ajustar. Por isso, é gente pragmática, optimista, provocante, ambiciosa, que defende a economia de mercado, a concorrência. E é nesse deslumbramento que António Carrapatoso subverte a realidade e "desideologiza" a palavra "revolucionário", chamando de "reaccionários" provavelmente a gente do Bloco de Esquerda e dos sindicatos imobilistas.

No fim da jornada de ontem, sobra um incómodo: para que serviu isto? Seja o que for, não pode extinguir-se num estudo que se entrega a quem aprouver – o Compromisso Portugal é um movimento de elite, não é uma consultora. Ser grupo de pressão não é defeito – é virtude, mesmo que a sua força resulte mais da representatividade económica do que da popular.

A Convenção do Beato não foi um comício, foi uma reunião de trabalho. E dela emerge uma constatação: o Compromisso Portugal tem uma visão e apresenta medidas para a alcançar. E esse é um desafio lançado a um Governo que parece sempre aprisionado pela gestão aflita do quotidiano.

Para um País, o melhor está em quem quer gerir o Estado. O pior está em quem quer gerir o poder. No Governo ou no Compromisso.”