Ouvindo outras vozes que, mesmo de outros sítios, soam sempre com aquele toque a ... Portugalidade!
Por vezes é bom ouvirmos a música das palavras. Outras, porém, dispensam a música, tal é a melodia da sua própria sonoridade ou significância, quer dizer do seu eco na subjectividade de quem as entende.
Por isso me lembro, sem precisar de evocar as sábias recomendações agostinianas sobre pedagogia, que nas minhas ditas férias de verão (em que mergulhei mais na procura dos materiais de base com que construirei as minhas lições de Ciência Política para os alunos do Ensino Secundário do que nas ondas da Costa da Caparica), ao passar os olhos no catálogo da Gulbenkian (que jardins frescos, como sempre, sabem tão bem nos dias em que as calendas pegam fogo a Portugal ...) não pude deixar de reparar num dos volumes da Obra Completa de Joaquim de Carvalho (Vol. VI - História das Instituições e Pensamento Político) onde, entre outras coisas, nos faz um "Esboço de Uma História da Educação", nele se podendo ler muito sobre o que, como no
artigo abaixo reproduzido, falta a muitos desses novos construtores do futuro, mais preocupados com a paranóia das tentativas de neo-colonização escolar por parte dos extremos dextros (talvez revelador de um como que ciúme dos cultivadores do neo-jacobinismo super-esquerdista insatalado em todo o sistema educativo português) do que com a pertinência do discurso a que qualquer professor deve atender, quando se assume como um autêntico educador!
O Poder da Palavra
Não sei com precisão quando comecei a interessar-me pelas coisas da Educação, mas creio que foi na minha adolescência, ao ouvir duas pregações em igreja do Porto. Autor das pregações: o Padre Américo. A força das suas palavras alertou-me para dois problemas: a obrigação que todos temos de participar na educação do nosso semelhante e as enormes potencialidades que existem em cada criança, em cada jovem, potencialidades que cumpre ao educador fazer emergir.
O fulgor do discurso do Padre Américo foi uma centelha de luz que não voltou a brilhar ao longo do tempo que frequentei o ensino secundário. Foi só na universidade, na Universidade de Coimbra, que encontrei dois professores de Filosofia, cuja palavra nos prendia do primeiro ao último momento da aula: Joaquim de Carvalho e Miranda Barbosa. Joaquim de Carvalho, o patriarca da História da Filosofia, quando nos falava de Descartes, era Descartes, quando nos iniciava na vida e na obra de Espinosa, era Espinosa. E que Espinosa, Deus meu! A sua capacidade de tornar vivos e actuais os grandes pensadores da Filosofia moderna era algo de notável - e raro.
Diferente, totalmente diferente, era o discurso de Miranda Barbosa, mas não menos notável. Com uma locução extremamente baixa, em tom de voz em que agudos e graves mal se distinguiam, o seu discurso (discurso frequentemente entrecortado pelo estribilho "não é?"), o seu discurso, dizia eu, era de uma lógica, de uma claridade, de um rigor, que nos levava - sempre - a concluir que a filosofia era algo de belo... e acessível a quem quisesse utilizar o mais poderoso instrumento que foi dado ao Homem: a inteligência. Miranda Barbosa, que morreu relativamente novo, ensinou algumas gerações de jovens académicos a pensar, a amar a Filosofia. A análise que nos fazia da "Crítica da Razão Pura", de Kant, era um modelo de interpretação textual e constituía um autêntico método de abordagem do que é essencial em Filosofia.
Se dez anos mediaram entre o Padre Américo e os meus professores de Coimbra, perto de vinte tive eu de esperar para ouvir uma outra palavra, que não me marcou menos. Estou a referir-me ao professor Gaston Mialaret, da Universidade de Caen, lá no extremo norte da Normandia, onde ele exercia um dos magistérios mais importantes para a criação das Ciências da Educação, tanto em França como em outros países da Europa e da América. Mialaret aliava a uma inteligência superior um verbo fluente e brilhante, que transformava a mais árida das experiências científicas numa aventura apaixonante. A ele fiquei eu a dever o gosto pela experimentação, pelo controlo rigoroso dos fenómenos empíricos.
Este meu texto de hoje pretende ser, tão-só, uma pequena apologia da palavra na sua expressão mais lídima: a expressão oral. Mas terá o discurso do mestre, do professor, razão de ser no contexto pedagógico dos nossos dias? Estou convicto que sim, embora a sua eficácia dependa de vários factores: de quem o faz, de como o faz, da situação em que for feito.Reconheço, no entanto, que este é um assunto controverso e, por isso, muito gostaria de saber a sua opinião, leitor benevolente, que me tem acompanhado ao longo destas crónicas. E se a sua opinião decorrer da sua experiência, então, melhor seria..."